Em meados do
século XIX, Londres passava por um problema muito contemporâneo aos nossos:
engarrafamentos. Talvez um ainda pior, engarrafamentos de cavalos.
A
cidade, que com a revolução industrial quase dobrara de tamanho entre
1800 e 1850, tinha diversas novas oportunidades proporcionadas
pela vida urbana. Londres havia se tornado o maior centro urbano da época,
com 300 mil trabalhadores entrando e saindo de trem da cidade todos
os dias. As ferrovias do país já haviam se desenvolvido com a competição entre
companhias de trem (privadas, diga-se de passagem), a partir de 1825.
No
início do século, todavia, o parlamento britânico havia
passado uma lei que proibira a construção de estações
ferroviárias no centro da capital da Inglaterra, ficando as
companhias obrigadas a construí-las apenas na periferia.
As
pessoas, consequentemente, sem qualquer outra forma de se deslocar até, a
partir ou entre as estações, lotavam as ruas da cidade se
locomovendo em
carroças. A solução veio já em 1853, quando Charles Pearson
convenceu as autoridades inglesas a lhe darem uma permissão para que ele
empreendesse e construísse a primeira linha de trem subterrânea do
mundo.
Como
foi construído?
Até
aquele ano, as quatro principais estações ferroviárias de Londres, por
causa da proibição de construção no centro, ficavam separadas. Depois da
permissão do parlamento, Pearson conseguiu convencer alguns investidores de que
sua ideia daria certo e traria resultados.
Ele
queria conectar, por debaixo da terra, as quatro estações. Uma empresa, chamada
de Metropolitan
Railway, foi então criada, e a primeira linha subterrânea de
trem do mundo foi construída, logo abaixo da rua.
Na
época, para a construção desse metrô primitivo, utilizou-se uma técnica
chamada cut and cover, por meio da qual se cavava uma trincheira, instalavam-se
os trilhos e depois cobria-se a linha — ou seja, criando todo tipo de
perturbação na área da construção, já que se arrancava a rua e tudo que
havia pelos lados.
Cerca
de 2000 pessoas tiveram de se mudar durante o processo que conectou as
estações. Para os trens que entrariam em operação na linha, foi escolhida a
opção mais barata: Marias Fumaça. Algumas locomotivas especiais foram
desenhadas, na tentativa de apreender o vapor em vez de soltá-lo.
Em
uma noite de 1863, o primeiro trem em uma linha subterrânea do mundo começou
seu trajeto, pela primeira vez. O trem segurava o vapor durante o percurso nos
túneis e o liberava nas estações. Imagine o calor.
Mesmo
com essa operação rudimentar, milhares de pessoas passaram a usar o sistema
todos os dias, com trens passando a cada 10 minutos já nessa fase inicial de
operação (A titulo de comparação, o metrô de Belo Horizonte, que nem
subterrâneo é, opera, hoje, com intervalos de 4 a 10 minutos).
Como se
desenvolveu?
Com
o passar dos anos, o empreendedorismo alimentado por dinheiro e vapor levou a
construção de mais e mais linhas, inclusive, levando a uma joint venture entre linhas concorrentes,
a Metropolitan e a District Railways, que permitiu a criação de uma linha
em anel ao redor do centro de Londres, a Circle Line, que existe até hoje.
Até
essa época, entretanto, todas as linhas eram instaladas em cut
and cover, mas em 1890 um novo equipamento passou a permitir a construção
de linhas mais profundas. Havia sido inventada uma tuneladora manual,
por assim dizer. A máquina inovadora permitia cavar túneis e instalar, ao
mesmo tempo, a cobertura de metal que os mantinha abertos.
No
mesmo ano, a City and South London Railways usou pela primeira vez o sistema, construindo
um túnel, abaixo do Tâmisa. Nesse ambiente de pouquíssima regulação, os
túneis profundos permitiram o surgimento de mais empresas e mais linhas e com a
invenção da eletricidade e o consequente abandono do vapor, alguns anos mais
tarde, o metrô de Londres foi ganhando os formatos que tem atualmente.
Quando
o governo interveio?
Em
1933 o sistema foi unificado.
O parlamento
inglês criou uma companhia chamada London Transport, de propriedade pública
(estatal e privada) e financiamento próprio. A empresa juntou todas as
linhas, monopolizou o mercado e criou a marca do Underground,
usada até hoje, além do design de mapa de metrô, copiado ao redor do
mundo.
Nos
seus primeiros anos ela expandiu o sistema com linhas de superfície, mas o
processo foi interrompido pela Segunda Guerra e a estatização da empresa.
Depois
da nacionalização e com a popularização dos carros, o uso do metrô começou
a cair. Até 1982, o recorde de usuários atingidos antes da estatização não
seria batido.
Em
1987, os anos de descaso levariam a um incêndio em King's
Cross, que matou 31 pessoas.
Depois
do desastre, o governo passou a atuar mais diretamente na administração do
sistema e hoje cerca de 50% de seu financiamento se dá por dinheiro do pagador
de impostos britânico.
O
que tudo isso nos diz sobre livre mercado?
O caso
londrino exemplifica o que há de melhor no livre mercado.
Existia
um problema (ou uma oportunidade, dependendo do seu ponto de vista) e entes privados
— movidos talvez pelo lucro ou simplesmente por vontade de ajudar (não importa
o incentivo) — conseguiram encontrar uma solução para ele. Com
competição, criou-se tendências de expansão e barateamento do serviço.
Além
disso, mesmo antes da intervenção que unificou o sistema, ele já dava
sinais de que poderia se uniformizar, visto que a Circle Line se formou com uma
joint venture entre empresas rivais.
Essa
tendência de uniformização resolveria, organicamente, duas grandes
desvantagens do modelo londrino de até 1933: a necessidade de se comprar
passagens diferentes para andar em linhas distintas, e a não conexão
entre estações próximas, porém de linhas concorrentes.
Em
ambos os casos, a necessidade criada pelo mercado de se solucionar estas
questões provavelmente forçaria as empresas a criarem acordos para melhorar o
sistema.
Uma
outra questão seria a possível monopolização do metrô por uma empresa
privada. O underground,
entretanto, ainda assim sofreria concorrência dos taxis, ônibus, carros
(lembrando que sua ascensão, em conjunto com a estatização, levou a uma queda
no uso do metrô entre 1945 e 1982) ou de qualquer outro método de
transporte — até o Uber
nos dias atuais —, o que garantiria a competição, mesmo que uma só empresa
fosse dona de todos os trilhos.
O
exemplo levantado, portanto, de tão útil, parece absurdo. Hoje se discute as
causas do trânsito das cidades e se joga a culpa nos carros, nas empresas, no
egoísmo ou na falta de planejamento. Se os urbanistas passassem menos
tempo pensando em formas
de impor suas soluções sobre as pessoas e mais tempo pensando em soluções de livre mercado,
talvez já fosse possível se deslocar eficientemente nas grandes cidades do
Brasil.
Fonte:Mises
Nenhum comentário:
Postar um comentário