Um
grande problema econômico enfrentado pelo mundo é de ordem semântica. O termo "regulação" passou a significar
apenas "regulação governamental".
Aparentemente, ninguém parece estar ciente da alternativa: regulação por
meio das forças de mercado.
Trata-se
de um grande problema porque isso leva as pessoas a aceitarem acriticamente —
e sem se dar ao trabalho de pensar em alternativas — enormes e variadas
intervenções estatais que, no final, não apenas pioram e encarecem os produtos
e serviços, como ainda beneficiam
justamente os empresários mais ineficientes.
Todos
nós queremos vivenciar aqueles objetivos almejados pela regulação, como qualidade
decente, confiabilidade, preços razoáveis para os bens e serviços que
adquirimos. Só que, ao julgarmos que a
regulação governamental é a única maneira de obter tudo isso, acabamos sendo
submetidos a uma vasta quantidade de restrições e decretos que não apenas são
desnecessários e errôneos, como também são contraproducentes, pois privilegiam
justamente os piores e mais incompetentes.
A
realidade é que a regulação governamental não é o único tipo de regulação. Mais ainda: não apenas não é o único tipo,
como é o pior dos tipos existentes.
Regular,
como o próprio termo indica, significa tornar algo normal e ordeiro; significa
manter um padrão; significa controlar de acordo com as regras, assim como um
termostato regula a temperatura de uma geladeira ou de um ambiente refrigerado
por ar-condicionado.
Quando
se trata de regular o mercado, as próprias forças inerentes ao mercado fazem
isso. Quando o mercado é livre — isto é, quando não
há obstruções governamentais à entrada de concorrência — as forças do mercado
regulam o próprio mercado continuamente.
Quando
não há regulamentações que impõem barreiras à entrada da concorrência no
mercado (via agências reguladoras), quando não há subsídios a empresas
favoritas do governo, quando não há protecionismo via tarifas de importação
abusivas, e quando não há altos tributos que impedem que novas empresas surjam
e cresçam, as forças concorrenciais do mercado se encarregam de,
automaticamente, fazer sua própria regulação.
Nesse
cenário, quando empresas concorrentes oferecem um bem ou um serviço que elas
imaginam ser de grande valor para os consumidores, os próprios consumidores
voluntariamente escolhem entre as várias opções disponíveis, o que faz com que
as empresas concorrentes reajam de acordo com essas decisões dos
consumidores.
Esse
processo é o regulador do mercado.
Os mercados regulam os preços
Um exemplo de regulação de mercado tão onipresente que muitas pessoas nem
sequer a percebem é a maneira como as forças do mercado regulam os preços. Em setores robustos e relativamente livres de
intervenções estatais — como o setor de padarias, de restaurantes, de
fabricação de clipes de papel, e de produtos eletro-eletrônicos —, as forças
de mercado são as únicas reguladoras dos preços.
Os termos de troca oferecidos por alguns vendedores restringem os termos de
troca que outros vendedores poderão oferecer.
A questão é simples: qualquer empresa — seja uma padaria, seja uma loja de
aparelhos eletro-eletrônicos de última geração — vai cobrar para os seus
produtos o maior preço que puder, que seja consistente com o maior lucro
possível. Duas coisas colocarão um teto nesse preço máximo: a
concorrência e a disposição dos consumidores em aceitar os preços praticados
(fenômeno esse chamado de 'valoração subjetiva dos consumidores').
Para todo e qualquer empreendimento, são os consumidores que, em última
instância, decidirão o preço máximo que estão dispostos a pagar por esses
produtos.
Se a modesta padaria perto da minha casa está cobrando $50 por um quilo de
picanha, então o mais luxuoso supermercado do bairro não poderá cobrar um preço
muito acima desse e, ainda assim, vender um grande volume de picanha. Tampouco as mais humildes mercearias
conseguirão fazer isso. Todos irão
cobrar praticamente o mesmo preço.
O mesmo raciocínio se aplica também a barbearias, manicures, oficinas
mecânicas, borracharias, lava-jatos e restaurantes a quilo (excetuando-se, é
claro, aqueles restaurantes voltados especificamente para os clientes de maior
poder aquisitivo).
Haverá uma forte regularidade nos
preços de todos esses bens e serviços.
Essa regulação é efetuada à
medida que cada vendedor reage às ações de seus consumidores e concorrentes.
A única força que pode perturbar essa regularidade e gerar contínuos aumentos
nos preços é o governo, seja por meio de suas políticas de expansão do crédito
— o que aumenta aumentando a quantidade de dinheiro na economia e pressiona os
preços —, seja por meio de políticas que provocam desvalorização da taxa de
câmbio.
(No Brasil, o encarecimento do dólar afeta desde o preço do pão — pois o
trigo é uma commodity internacional cotada em dólar — aos preços dos aluguéis
— que são reajustados pelo IGP-M, que por sua vez é afetado pela cotação do
dólar —, passando por absolutamente todos os alimentos e remédios. Toda essa carestia, obviamente, afeta os
preços cobrados no setor de serviços).
Os mercados regulam a qualidade
O mesmo raciocínio vale para a qualidade.
Você não irá comprar, em uma padaria, uma picanha que não esteja fresca
caso acredite que irá conseguir uma de melhor qualidade no supermercado mais
próximo. Os comerciantes até gostariam
de conseguir vender uma picanha do mês passado que já esteja se deteriorando,
mas os consumidores, em conjunto com o interesse próprio dos outros vendedores, não deixarão isso
ocorrer.
As escolhas dos consumidores e as ações dos concorrentes restringem (isso é,
regulam) até mesmo a qualidade dos produtos serão colocados à venda — para não falar dos que realmente serão
vendidos —, pois os consumidores irão denunciar e falar mal daqueles
estabelecimentos que vendem produtos de pior qualidade em relação aos
outros.
Em um mercado concorrencial, nenhum estabelecimento pode se dar ao luxo de
desapontar ou de tentar ludibriar os consumidores. Sendo assim, eles são obrigados a manter uma
qualidade decente, mesmo que não queiram.
Dessa maneira, as forças do mercado regulam a qualidade.
A regulação do governo afeta a
regulação do mercado
Toda essa regulação feita pelas forças do mercado se torna mais débil à
medida que o mercado se torna menos livre.
Imagine um supermercado que detenha um monopólio legal — isto é, impingido
pelo governo — sobre a venda de picanha.
Tal estabelecimento, na ausência de concorrência, poderá cobrar uma enorme
variedade de preços, oferecer uma enorme variedade de qualidade, e ainda assim
conseguir vender.
Legalmente, seus consumidores simplesmente não teriam alternativas para onde
ir.
O mesmo ocorreria se houvesse concorrência entre os supermercados, mas restrições
sobre a importação de produtos, seja por meio de tarifas protecionistas, seja
por meio da desvalorização da taxa de câmbio: a pressão sobre os produtores
domésticos para manter a qualidade e conter os preços seria reduzida. Ou seja, a qualidade e o preço são menos
regulados quando há obstruções à importação.
A liberdade de trocas faz com que a regulação exercida pelas forças de
mercado seja robusta. Quando há
concorrência entre supermercados e estes são livres para vender todo e qualquer
tipo de produto, de modo que os consumidores podem optar onde comprar ou
simplesmente não comprar, os preços e a qualidade dos produtos são estritamente
regulados. Essa benéfica regulação por
meio das forças de mercado se enfraquece à medida que o mercado se torna menos
livre.
É por isso que você consegue qualidade em restaurantes e padarias, mas não
consegue no mercado de telefonia celular, no mercado bancário, no mercado
aéreo, no mercado elétrico, no mercado de postos de gasolina etc., pois todos
esses são estritamente regulados pelo governo via agências reguladoras.
O que nos leva a um paradoxo: quanto menos um mercado é regulado — aliás,
esse não é o melhor termo; quanto menos um mercado é restringido — pelo governo, mais ele é regulado pelas forças do
mercado. Inversamente, quanto mais
restrições governamentais, menor é a regulação pelas forças do mercado. Há um trade-off direto entre
ambos.
Nunca haverá uma escolha entre regulação e ausência de regulação. Sempre haverá uma escolha entre dois tipos de
regulação: regulação feita por políticos e burocratas, ou regulação feita pelas
forças do mercado. Regulação feita por
decretos, ou regulação feita pela liberdade de escolha.
E quem exerce as "forças do mercado"?
Somos nós. Você, eu e todos os
cidadãos. Nós é que decidimos, por meio
de nossas decisões de comprar e de se abster de comprar, qual indústria
sobrevive, qual deve ser extinta e qual deve trocar de gerência. Não é
nada complicado. Se houver alguma política mais eficaz e mais
ética do que essa, favor avisar ao mundo sobre essa revolucionária
descoberta.
Não existe algo como um livre mercado desregulamentado. Se um mercado é livre, então ele será
estritamente regulado pela liberdade de escolha de seus participantes. As ações de cada consumidor restringem e
influenciam as ações de empreendedores, de modo a fazer com que essas ações
sejam regulares e constantes — isto
é, relativamente previsíveis, ocorrendo entre limites compreensíveis.
Conclusão
Nenhum livre-mercadista nega a existência de empreendedores salafrários; nós
apenas acreditamos — e para isto baseamo-nos na sólida teoria econômica —
que, quanto mais livre e concorrencial for o mercado, mais restritas serão as
chances de sucesso de vigaristas, e mais honestas as pessoas serão forçadas a
se manter. E elas terão de ser honestas não por benevolência ou moral
religiosa, mas sim por puro temor de que, uma vez descobertas suas trapaças,
elas serão devoradas pela concorrência, podendo nunca mais recuperar sua fatia
de mercado e indo a uma irrecuperável falência.
Por outro lado, quanto maior for a regulamentação governamental sobre um
setor, mais incentivos existirão para a corrupção, para o suborno, para os
favorecimentos e para os conchavos. Em vez de se concentrar em oferecer
bons serviços e superar seus concorrentes no mercado, as empresas mais
poderosas poderão simplesmente se acertar com os burocratas responsáveis pelas
regulamentações, oferecendo favores e, em troca, recebendo agrados como
restrições e vigilâncias mais apertadas para a concorrência.
A regulação governamental não é o único tipo de regulação possível; as
forças do mercado também regulam.
Reconhecer isso, comunicar isso a terceiros, fazer com que o público
esteja ciente disso, e colocar isso em debate são medidas essenciais para que
haja uma maior liberdade econômica.
Os benefícios dessa mudança semântica — expandir o significado de
"regulação" para incluir nele a "regulação pelas forças do mercado" — são
equivalentes a perguntar qual funciona melhor.
A regulação por meio das forças de mercado funciona melhor, mas esse é
outro argumento. O primeiro passo é
reconhecer que as forças de mercado também regulam.
Fonte:Mises
Fonte:Mises
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