Quinta-feira próxima completaremos um ano do fim da política
de restrição à posse e ao uso de facas, política que, lembremos, recebera
menção da ONU por sua eficácia no combate à violência. Desde então, estamos
submetidos a um experimento social radical em que todo mundo pode ter, comprar,
vender e portar uma faca afiada com potencialidade letal. E o resultado, como
qualquer observador razoável e não movido por ideologias sectárias já percebeu,
tem sido um desastre absoluto.
Lembram-se das promessas dos defensores da liberação? Diziam
que o aumento de homicídios era mito, que as pessoas queriam facas para usos
pacíficos. Diziam, ademais, que o crime já usava facas conseguidas ilegalmente.
Asseguravam que as pessoas saberiam lidar com o risco de uma faca dentro de
casa. A realidade, contudo, contou uma história bem diferente: de 2013 para cá,
as mortes por faca em conflito residencial subiram de 3 para 56. Isso mesmo, um
aumento de 1866,7%. Ainda não há dados para crimes passionais e acidentes
domésticos que não terminaram em morte, mas tudo indica que o aumento foi ainda
maior.
O que antes circulava apenas nas gangues mais violentas é
agora um utensílio na gaveta de muitos lares, ao pleno alcance de um marido
ciumento, de um jovem imprudente ou mesmo de crianças. O preço da faca no
mercado caiu 60%, sendo vendida em qualquer esquina. Saber que traficantes
perderam parte do seu lucro é um consolo pífio quando lembramos que a violência
outrora restrita ao tráfico foi universalizada. Ademais, o tráfico continua
ativo, vendendo facas de péssima qualidade, inseguras e mais afiadas do que a
lei permite.
Outra falácia dos apóstolos da faca é a de que a liberação
movimentaria a economia, devido ao aumento de vendas. Só se esqueceram de um
detalhe: a nova lei decretou a morte de setores inteiros. A maioria das
empresas alimentícias fechou a divisão de fatiamento do produto final, sem
falar na categoria dos cortadores autônomos que já está em vias de extinção. O
sindicato conseguiu um financiamento público para se "adaptar" à nova
realidade, e há alguns pedidos de restrição ao que os usuários domésticos podem
fazer com a faca. Cortar alimentos crus, como sushi, por exemplo, demanda
providências de higiene que a maioria dos lares não tem. Também não está claro
ainda se é lícito usar a mesma faca para alimentos e usos não-alimentares, que
traz riscos de contaminação, acidentes, etc. Seja como for, o presidente do SINFaca
é bem pessimista: "acabaram com o nosso sustento; jogaram a gente na rua".
Vivas ao livre mercado!
A indústria de facas (real interesse por trás da campanha)
aumentou sua folha de pagamentos em 4.000 pessoas nos meses iniciais, bem
abaixo do previsto. Como a estrutura produtiva básica já existia, os ganhos de
escala fizeram com que poucos novos funcionários tenham sido necessários. No
mês passado, dessa mão-de-obra adicional, 1.200 já tinham sido dispensados.
Compare isso com os quase 10.000 empregos diretos e indiretos perdidos no setor
de fatiamento, seja nas empresas, seja entre os autônomos. A perda econômica foi
substancial.
A vida real, pra variar, contrariou as expectativas dos
economistas teóricos, e por um motivo muito simples. A demanda por facas é
pontual; cada domicílio se abastece de algumas que durarão vários anos sem
necessidade de reposição. Já a necessidade de fatiar a comida é diária e
recorrente. Ao se trocar essa demanda constante por uma demanda pontual
perdemos empregos no longo prazo.
O lucro da indústria de facas trouxe riscos ao lar, custou
empregos e renda da população mais carente e ainda explora a falta de
informação do consumidor, que também saiu lesado. Fatiar um alimento não é
tarefa para leigos. Um especialista percebe a diferença entre um corte
bem-feito e um amador. O corte bem-feito é regular, o tamanho de cada pedaço é
adequado às necessidades do cliente, de forma a garantir mastigação e
deglutição agradáveis e saudáveis. Prontos-socorros têm reportado aumento nos
casos de engasgo. Peixe e frango exigem cuidado especial para separar a espinha
e ossinhos da carne comestível; técnica que, previsivelmente, a maioria dos
leigos não domina. Isso leva à ingestão de detritos danosos ou ao desperdício
da carne mais difícil de separar. Sem falar dos danos de longo prazo oriundos
da mastigação e de pedaços grandes demais (e com detritos não comestíveis como
ossos) e da digestão dificultada, que ainda demorarão a aparecer, mas não são
menos reais.
Só uma pequena quantidade de famílias mais instruídas tem a
informação necessária para fazer uma escolha consciente; essas continuam a
consumir apenas comida fatiada por profissionais devidamente formados e
credenciados. Para a imensa maioria, a nova lei significou a lei da selva:
exposição elevada a riscos sob o pretexto de que cada um faz o que quer.
Com a nossa vida e a vida dos nossos filhos em risco, é hora
de repensar a tirania anárquica a que temos nos submetido. Faca dentro de casa,
não! Os dados mostram que os riscos e os custos em muito superam os ganhos de
uma liberdade de escolha fictícia e desinformada.
Fonte:Mises
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