Até
junho de 2014, o preço do barril de petróleo oscilava ente US$90 e US$100. E então, repentinamente, os mercados
perceberam que os EUA estavam produzindo, na margem, uma enorme quantidade de
petróleo cru, e isso foi o suficiente para desencadear a espiral de redução de
preços do petróleo que estamos vendo agora.
Falando
francamente, esse foi um fenômeno que ninguém antecipou. Nenhum dos prognosticadores da indústria petrolífera
previu isso. Os EUA aumentaram, na
margem, sua produção de petróleo retirado do xisto, e o Canadá, também na
margem, aumentou sua produção de petróleo de areias betuminosas.
Esses
dois fenômenos foram exacerbados pela reação de outros produtores de petróleo
ao redor do mundo. A Arábia Saudita não
só não reduziu sua produção com o intuito de tentar conter a oferta e assim
evitar uma queda nos preços, como na verdade intensificou sua extração. A Rússia também aumentou sua produção nos
últimos meses.
Ou
seja, os grandes produtores não apenas não restringiram sua oferta, como
intensificaram sua produção.
No
passado, mais especificamente na década de 1970, os países da OPEP realmente
chegaram a restringir sua produção com o intuito de frear a queda nos preços,
mas dessa vez está sendo diferente. Os
sauditas, em particular, já indicaram que não querem ver nem os EUA e nem o
Canadá abocanhar uma fatia do mercado saudita, no longo prazo. E dado que os sauditas são capazes de extrair
petróleo de maneira muito mais barata que todo o resto do mundo, eles decidiram
manter a produção pleno vapor dessa vez.
Eles optaram por não restringir a produção porque sabiam que essa
restrição faria apenas estimular ainda mais pessoas e empresas a investir no
setor de xisto nos EUA e de areia betuminosa no Canadá, abocanhando essa fatia
de mercado dos sauditas.
No
que mais, há alguns fatores técnicos que devem ser considerados. No curto prazo, alterações no preço não afetam
a produção de depósitos petrolíferos, como o xisto. Quando se começa a extrair petróleo de um
depósito de xisto, o produtor está literalmente ao sabor do vento, da
engenharia e da pressão da extração. O
tempo de duração de cada um desses poços não é muito longo, não passando de
mais de um ano e meio. Logo, não há
motivos para se interromper o processo de produção, por maior que seja a queda
do preço
A Rússia e a repetição da União Soviética
À
medida que o preço do barril de petróleo segue em queda livre — era de US$101
em junho de 2014, e hoje está em US$45 —, vai voltando à memória um cenário
similar ocorrido já durante o final da Guerra Fria, em meados da década de
1980.
Quando
a Arábia Saudita anunciou,
em 1985, que proteger o preço do petróleo não mais seria sua prioridade, a
produção de petróleo ao redor do mundo disparou e os preços despencaram,
chegando a ficar abaixo dos US$10 o barril, como eu havia previsto
à época.
Essa
queda nos preços desferiu um golpe fatal na economia soviética, que dependia
quase que exclusivamente das exportações de petróleo da Rússia, e que acabou
vendo evaporar US$20 bilhões por ano em receitas de exportação. Esse resultado fiscal foi uma facada no
coração da URSS.
Já
no dia 1º de outubro de 2014, a empresa petrolífera da Arábia Saudita anunciou
que estava abandonando sua política de proteção de preços e que passaria a se
concentrar apenas em proteger sua fatia de mercado. Esse anúncio, combinado com uma queda global
na demanda e um aumento geral na oferta, fez com que o preço do barril de
petróleo desabasse.
Isso
gerou severas restrições orçamentárias sobre oito dos principais países
produtores de petróleo do mundo. Estados
como Irã, Iraque, Rússia, Equador e Venezuela só conseguem equilibrar seus
orçamentos se o preço do barril de petróleo estiver entre US$100 e US$125. Se o preço do petróleo se mantiver onde está
(em torno de US$45) por algum tempo, é de esperar que haja um forte aperto
fiscal seguido de mudanças de regime em um ou mais desses países: Irã, Bahrein,
Equador, Venezuela, Argélia, Nigéria, Iraque ou Líbia. Será um filme que já vimos.
Quanto
à Rússia, a mão de Putin é mais forte, mas pode haver limites. A economia russa foi atacada em duas frentes.
De um lado, a invasão à Ucrânia gerou sanções
comerciais dos EUA e da União Europeia.
Isso enfraqueceu o rublo. Só que
ainda pior do que as sanções está sendo a queda no preço do petróleo, o que
reduziu maciçamente o volume de dólares que entra na Rússia. Consequentemente, o rublo desabou. Em seis meses, o dólar disparou de 33 rublos
para 62 rublos.
Como consequência do esfacelamento do rublo, a inflação de preços já começa
a assombrar:
Os alimentos já encareceram 16,4% nos últimos
12 meses, com destaque para as carnes bovina e aviária, que já encareceram
20,1%, e frutas e vegetais, que estão 22% mais caros.
Como o regime de Putin irá lidar com isso é um filme que ainda não foi
visto.
A Venezuela, o maior perdedor dentre
todos
Os problemas vivenciados pela Rússia são um piquenique quando comparados aos
da Venezuela, país em que a escassez de dólares ocorre em um ambiente de
economia fortemente planificada, com controle de preços e desabastecimento.
À medida que piora a situação econômica do país, seu governo vai se tornando
cada vez mais autoritário.
A espiral decadente da economia venezuelana começou de fato quando Hugo
Chávez decidiu impor seu "socialismo moreno" ao país, uma
excentricidade que, à época, chegou a ser relativamente bem recebida por vários
setores da grande mídia. Durante anos, a Venezuela manteve um volumoso
programa de gastos sociais combinado com controles de preços e salários e com
um mercado de trabalho extremamente rígido, além de manter, como política
externa, uma agressiva estratégia de ajuda internacional voltada
majoritariamente para Cuba. Todo este insano castelo de cartas conseguiu
se manter solvente por um bom tempo unicamente por causa das receitas do
petróleo.
Mas à medida que os custos deste populismo foram crescendo, o país teve de
recorrer com cada vez mais frequência aos cofres da estatal petrolífera PDVSA e
à impressora do dinheiro do Banco Central da Venezuela. Isso resultou em
um declínio contínuo do valor do bolívar — um declínio que se acelerou ainda
mais após começarem a surgir notícias sobre o crítico estado de saúde de Hugo
Chávez.
A morte de Chávez, no dia 5 de março de 2013, gerou um abalo sísmico em toda
a economia venezuelana. De maneira nada surpreendente, desde que seu
sucessor Maduro assumiu o controle do país, o castelo de cartas venezuelano
começou a desmoronar. A taxa de câmbio do bolívar no mercado paralelo
ilustra bem essa história. Desde a morte de Chávez até o momento (janeiro
de 2015), o bolívar já perdeu quase 90% de seu valor em relação ao dólar no
mercado paralelo, como mostra o gráfico abaixo.
Taxa de câmbio bolívar/dólar no mercado paralelo (linha azul) versus taxa
de câmbio oficial declarada pelo governo (linha vermelha)
Essa acentuada desvalorização do bolívar, por sua vez, gerou uma
extremamente alta inflação de preços na Venezuela. Para economias
altamente estatizadas, a desvalorização de uma moeda no mercado paralelo é o
mensurador que melhor estima o real valor dessa moeda. Com este
mensurador, é possível inferir que a inflação de preços "reprimida"
na Venezuela está atualmente nos três dígitos, alcançando o estonteante valor anual de
194%, como mostra o gráfico abaixo.
Inflação de preços oficial (linha vermelha) versus inflação de preços
implícita (linha azul) acumuladas em 12 meses.
O governo reagiu exatamente como todos os governos populistas reagem aos
aumentos de preços causados por suas próprias políticas: impondo controle de
preços cada vez mais rígidos. Obviamente, estas políticas não apenas
fracassaram completamente, como geraram um grande desabastecimento nos
supermercados e uma constrangedora escassez de vários produtos essenciais, como
papel higiênico.
Ainda em setembro de 2013, a contínua
escassez de papel higiênico (que ocorreu após a escassez de alimentos
e de apagões no setor elétrico) levou o governo a ocupar
uma fábrica de papel higiênico, com o uso maciço de força militar, com o
intuito de garantir uma "distribuição justa" dos estoques
disponíveis.
Já em novembro de 2013, após o presidente Nicolás Maduro acusar os
fabricantes de manipulação de preços, ele ordenou que o exército ocupasse
as lojas e confiscasse todos os bens com o intuito de vendê-los a
"um preço justo". Ato contínuo, Maduro mandou prender os
comerciantes e ainda enviou o alerta de que "este é apenas o início de
tudo o que farei para proteger o povo venezuelano".
Logo após esse confisco, multidões se aglomeraram, ao longo de todo o país,
em frente às portas de várias lojas de eletrodomésticos com o intuito de
saqueá-las, o que chegou a ocorrer em vários casos.
Maduro asseverou que o governo iria, dali em diante, supervisionar todas as
redes varejistas do país para se assegurar de que os preços fossem
significativamente reduzidos. Também ordenou que todos os estoques das
lojas deveriam ser liquidados. Em um discurso televisionado, ele mandou
a mensagem: "Não deixem que nada permaneça nas prateleiras".
Apesar dos congelamentos de preços e da escassez, nada foi feito para atacar
a causa básica das aflições inflacionárias da Venezuela, que é o descontrole da
oferta monetária.
Este gráfico mostra a evolução da quantidade de dinheiro na economia
venezuelana (agregado M3) de acordo com as estatísticas do próprio Banco
Central venezuelano. Em menos de 3 anos, a quantidade de dinheiro na
economia já aumentou quase 4 vezes, ou 300%.
Evolução da quantidade de dinheiro na economia venezuelana
Embora o congelamento mantenha os preços dos bens em níveis ostensivamente
baixos no mercado oficial, eles inevitavelmente geram prateleiras vazias,
privando vários consumidores de ter acesso a bens essenciais. Controle de
preços em conjunto com uma regulação da margem de lucro não pode gerar outra
coisa senão o desabastecimento. Como resultado, a
escassez de produtos bateu recordes na Venezuela.
Tudo isso levou aos violentos
protestos ocorridos na Venezuela ao longo de 2014.
Só que agora, com a forte queda no preço do petróleo, a quantidade de
dólares entrando na Venezuela desabou. Essa
escassez de divisas estrangeiras, aliada ao fato de que o bolívar é uma
moeda inconversível (nenhum estrangeiro está disposto a trocar seus
dólares por bolívares), está fazendo com que o país esteja
impossibilitado de importar bens essenciais.
Dado que o petróleo é responsável por nada menos que 95% das exportações
da Venezuela, a queda no seu preço afetou severamente o pouco que ainda
restava
de funcional na economia.
A escassez de dólares em conjunto com inflação real de 194% amplificou a
escassez de bens e, como resultado, a oferta de alimentos agora está sob
supervisão militar. Eis alguns trechos da reportagem da Bloomberg:
Consumidores se amontoaram nos supermercados de Caracas após um profundo
desabastecimento ter urgido o governo a colocar a distribuição de alimentos sob
proteção militar.
Longas filas, algumas se estendendo por várias quadras, se formaram em
frente aos supermercados da capital venezuelana. Os moradores estão à procura de itens básicos
que se tornaram escassos, como detergente e frango.
"Já fui a seis lojas hoje à procura de detergente — não encontro em lugar
nenhum", disse Lisbeth Elsa, zeladora de 27 anos, enquanto esperava em uma
longa fila de um supermercado na zona leste de Caracas. "Somos obrigados a
continuar vestindo roupas sujas porque não há detergentes. Vou comprar qualquer substituto que aparecer."
A escassez de divisas estrangeiras exacerbado pelo colapso nos preços do
petróleo amplificou a escassez de produtos básicos, desde papeis higiênicos a
baterias de carro, e empurrou a inflação [oficial] para 64% em novembro. As filas continuarão
enquanto o controle de preços persistir [...].
[...] A Ministra do Interior, Carmen Melendez, disse ontem que forças de
segurança serão enviadas para os supermercados e centros de distribuição para
proteger os consumidores.
[...]
"Não entrem em desespero — temos capacidade e temos produtos para todos,
basta ter calma e paciência. As lojas estarão reabastecidas", disse a ministra
na televisão estatal.
[...]
Ontem, dentro de um supermercado da rede Plan Suarez, na zona leste de
Caracas, as prateleiras estavam praticamente vazias. Houve brigas entre os consumidores para
conseguir os poucos produtos restantes, e vários tentaram furar a fila. Dentre os produtos mais procurados estava o
detergente, com os consumidores tendo de esperar na fila por três para comprar
um máximo de dois. Um guarda proibiu que
as prateleiras vazias fossem fotografadas.
Já em um supermercado da rede Luvebras, também na zona leste de Caracas, a
polícia interveio para ajudar os funcionários a distribuir papel higiênico e
outros produtos.
"Não consigo encontrar nada; já estou há 15 dias procurando por fraldas",
disse Jean Paul Mate, vendedor de carne, que esperava na fila do Luvebras. "Você tem de faltar ao trabalho para procurar
produtos. Vou a pelo menos cinco lojas todos os dias."
[…]
"As coisas nunca estiveram tão ruins assim — já vi filas com mais de mil
pessoas", disse Greisly Jarpe, analista de dados de 42 anos, enquanto esperava
por sabonetes. "As pessoas estão tão
desesperadas que estão dormindo nas filas".
Fonte:Mises
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