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17 de junho de 2014

Sobre a legalização da faca

faca_proibição.jpgQuinta-feira próxima completaremos um ano do fim da política de restrição à posse e ao uso de facas, política que, lembremos, recebera menção da ONU por sua eficácia no combate à violência. Desde então, estamos submetidos a um experimento social radical em que todo mundo pode ter, comprar, vender e portar uma faca afiada com potencialidade letal. E o resultado, como qualquer observador razoável e não movido por ideologias sectárias já percebeu, tem sido um desastre absoluto.

Lembram-se das promessas dos defensores da liberação? Diziam que o aumento de homicídios era mito, que as pessoas queriam facas para usos pacíficos. Diziam, ademais, que o crime já usava facas conseguidas ilegalmente. Asseguravam que as pessoas saberiam lidar com o risco de uma faca dentro de casa. A realidade, contudo, contou uma história bem diferente: de 2013 para cá, as mortes por faca em conflito residencial subiram de 3 para 56. Isso mesmo, um aumento de 1866,7%. Ainda não há dados para crimes passionais e acidentes domésticos que não terminaram em morte, mas tudo indica que o aumento foi ainda maior.

O que antes circulava apenas nas gangues mais violentas é agora um utensílio na gaveta de muitos lares, ao pleno alcance de um marido ciumento, de um jovem imprudente ou mesmo de crianças. O preço da faca no mercado caiu 60%, sendo vendida em qualquer esquina. Saber que traficantes perderam parte do seu lucro é um consolo pífio quando lembramos que a violência outrora restrita ao tráfico foi universalizada. Ademais, o tráfico continua ativo, vendendo facas de péssima qualidade, inseguras e mais afiadas do que a lei permite.

Outra falácia dos apóstolos da faca é a de que a liberação movimentaria a economia, devido ao aumento de vendas. Só se esqueceram de um detalhe: a nova lei decretou a morte de setores inteiros. A maioria das empresas alimentícias fechou a divisão de fatiamento do produto final, sem falar na categoria dos cortadores autônomos que já está em vias de extinção. O sindicato conseguiu um financiamento público para se "adaptar" à nova realidade, e há alguns pedidos de restrição ao que os usuários domésticos podem fazer com a faca. Cortar alimentos crus, como sushi, por exemplo, demanda providências de higiene que a maioria dos lares não tem. Também não está claro ainda se é lícito usar a mesma faca para alimentos e usos não-alimentares, que traz riscos de contaminação, acidentes, etc. Seja como for, o presidente do SINFaca é bem pessimista: "acabaram com o nosso sustento; jogaram a gente na rua". Vivas ao livre mercado!

A indústria de facas (real interesse por trás da campanha) aumentou sua folha de pagamentos em 4.000 pessoas nos meses iniciais, bem abaixo do previsto. Como a estrutura produtiva básica já existia, os ganhos de escala fizeram com que poucos novos funcionários tenham sido necessários. No mês passado, dessa mão-de-obra adicional, 1.200 já tinham sido dispensados. Compare isso com os quase 10.000 empregos diretos e indiretos perdidos no setor de fatiamento, seja nas empresas, seja entre os autônomos. A perda econômica foi substancial.
A vida real, pra variar, contrariou as expectativas dos economistas teóricos, e por um motivo muito simples. A demanda por facas é pontual; cada domicílio se abastece de algumas que durarão vários anos sem necessidade de reposição. Já a necessidade de fatiar a comida é diária e recorrente. Ao se trocar essa demanda constante por uma demanda pontual perdemos empregos no longo prazo. 

O lucro da indústria de facas trouxe riscos ao lar, custou empregos e renda da população mais carente e ainda explora a falta de informação do consumidor, que também saiu lesado. Fatiar um alimento não é tarefa para leigos. Um especialista percebe a diferença entre um corte bem-feito e um amador. O corte bem-feito é regular, o tamanho de cada pedaço é adequado às necessidades do cliente, de forma a garantir mastigação e deglutição agradáveis e saudáveis. Prontos-socorros têm reportado aumento nos casos de engasgo. Peixe e frango exigem cuidado especial para separar a espinha e ossinhos da carne comestível; técnica que, previsivelmente, a maioria dos leigos não domina. Isso leva à ingestão de detritos danosos ou ao desperdício da carne mais difícil de separar. Sem falar dos danos de longo prazo oriundos da mastigação e de pedaços grandes demais (e com detritos não comestíveis como ossos) e da digestão dificultada, que ainda demorarão a aparecer, mas não são menos reais.

Só uma pequena quantidade de famílias mais instruídas tem a informação necessária para fazer uma escolha consciente; essas continuam a consumir apenas comida fatiada por profissionais devidamente formados e credenciados. Para a imensa maioria, a nova lei significou a lei da selva: exposição elevada a riscos sob o pretexto de que cada um faz o que quer. 
Com a nossa vida e a vida dos nossos filhos em risco, é hora de repensar a tirania anárquica a que temos nos submetido. Faca dentro de casa, não! Os dados mostram que os riscos e os custos em muito superam os ganhos de uma liberdade de escolha fictícia e desinformada.
Fonte:Mises

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