Um
mito ainda ronda o mundo: o mito da excelência do sistema de saúde estatal da
Suécia.
Normalmente,
apenas alguns poucos e
básicos argumentos econômicos já bastam para fazer uma pessoa entender, de
maneira lógica, por que é impossível um sistema de saúde gerenciado pelo estado
manter sua excelência no longo prazo.
No
entanto, e infelizmente, apenas teorias não convencem. E dado que não é factível convidar todo o
mundo para fazer uma excursão-surpresa nas salas de emergência dos hospitais estatais
da Suécia — o que estraçalharia de maneira irreparável as ilusões dos mais
crentes —, terei aqui de me ater apenas às palavras.
E
a realidade é que o sistema de saúde sueco é a perfeita ilustração da tragédia
do planejamento central. Além de ser
extremamente caro, ele ainda mata pessoas inocentes.
A
saúde universal e gratuita foi implantada na Suécia na década de 1950 como
parte de um projeto do Partido Social Democrata para criar a "Casa do Povo" (Folkhemmet). Este grande esforço também incluiu educação
gratuita em todos os níveis, moradias modernas para os pobres, pensão estatal
obrigatória, e outras coisas. Vamos aqui
conceder o benefício da dúvida e supor que ao menos algumas dessas propostas
eram bem intencionadas. Como quase
sempre ocorre, boas intenções pavimentam a estrada que leva à servidão.
Demorou
um pouco, mas hoje já está um tanto óbvio para o cidadão comum que absolutamente todos os aspectos deste
projeto se revelaram um desastre. O
cidadão pode até ter alguma dificuldade para ligar causa e consequência, mas
ele já é capaz de ver que o sistema definitivamente não está funcionando como o
propagandeado. Pior: está se
deteriorando rapidamente.
Antes
de este projeto utópico ser implantado, a Suécia tinha uma das mais
baixas
cargas tributárias do mundo civilizado.
Tanto a quantidade de impostos, quanto o valor deles, era um dos mais
baixos do mundo desenvolvido. O país,
nada surpreendentemente, estava no topo em termos de padrão de vida. O
projeto alterou completamente a Suécia. O país passou a ter a segunda
maior carga
tributária do mundo (a maior é a da Dinamarca), vivenciou períodos
de acentuada inflação de preços, e apresenta uma economia em contínuo enfraquecimento.
Não
há nada de economicamente misterioso a respeito de serviços de saúde; trata-se
de um serviço como qualquer outro. Os
princípios que governam os serviços de saúde são imutáveis e não podem ser
alterados por meros decretos governamentais ou por "vontade política". Como qualquer serviço, a medicina pode ser
plenamente fornecida em um livre mercado a preços razoáveis e com qualidade
crescente. No entanto, como qualquer
outra área, tão logo o governo assume o controle e passa a fazer um
planejamento centralizado, ele entre em colapso. A
qualidade despenca e passa a haver escassez e racionamento.
Alegar
que os atuais problemas no sistema de saúde sueco se devem a uma "falha de
mercado" — como já fazem alguns social-democratas no país — é o equivalente a
dizer que houve uma falha de mercado na produção de pão na União Soviética.
Analisemos
o que ocorreu quando os serviços de saúde passaram a ser fornecidos
"gratuitamente" pelo governo sueco (isto é, pelos pagadores de impostos). Observe que os mesmos incentivos e princípios
econômicos se aplicam a qualquer outro serviço que o governo decida assumir e
fornecer "de graça".
De
início, ficou estabelecido que o sistema de saúde gratuito seria somente para
os pobres. Ele não iria afetar aqueles
que estavam satisfeitos com os serviços até então vigentes. No entanto, ocorreu o óbvio: quando um
governo passa a repentinamente oferecer uma alternativa gratuita com promessa
da qualidade, várias pessoas abandonam seus fornecedores privados e adotam os
bens gratuitos. Trata-se de uma questão
de incentivos. Logo, esse sistema
público tem de ser expandido. Médicos
privados irão perder clientes. Ato
contínuo, os médicos privados serão forçados ou a procurar emprego no sistema
público ou a abandonar a profissão. O
resultado inevitável será a criação de um único sistema público de saúde.
Alguns
ainda alegam que é possível haver economias de escala
dentro das operações de um sistema de saúde estatal, tornando-o
eficiente. Possível até é. Porém, mesmo que existam, elas serão
inevitavelmente
sobrepujadas pelos custos e ineficiências inerentes a qualquer
burocracia que
inevitavelmente se agiganta quando passa a gerenciar um sistema desses.
Tais
resultados são claramente visíveis na Suécia.
Restaram poucos médicos privados.
Dos poucos que restaram, a maioria faz parte do sistema nacional de
seguridade social. Uma enorme burocracia
foi erigida para administrar todo o necessário planejamento centralizado dos
sistemas de saúde público e pseudo-privado.
Quando
os suecos vão às urnas a cada quatro anos, eles elegem três níveis de governo:
o nacional, o landsting, e o kommun. Um landsting
é uma espécie de governo regional. Há 20
deles. Os landstings são quase que inteiramente voltados para o gerenciamento
do sistema de saúde estatal. Como era de
se esperar, eles sempre reclamam de escassez de fundos e regularmente incorrem
em déficits.
A
vantagem de um sistema de livre mercado é que a contínua interação entre
demanda e oferta forma os preços. Esses
preços funcionam como sinais emitidos pelos consumidores, guiando os médicos a
identificar o que seus pacientes mais desejam e do que eles mais
necessitam. Assim, se houver um súbito
aumento na demanda por cirurgias cardiovasculares, os preços de tal serviço
iriam, ceteris paribus, aumentar. Essa elevação de preços motivaria mais
médicos a irem para estas áreas, que agora se tornaram mais lucrativas. Ato contínuo, mais médicos passariam a
fornecer mais serviços de cirurgias cardiovasculares, e a oferta de tais
serviços iria aumentar. Com a demanda
agora satisfeita, os preços voltariam a cair.
Algumas
pessoas protestam e dizem que é imoral que médicos queiram maximizar seus
lucros e viver à custa dos problemas médicos de outras pessoas. Isso faz tanto sentido quanto dizer que
agricultores — inclusive os pequenos — lucram com a fome de terceiros.
Assim,
um arranjo de livre mercado sistematicamente direciona a produção ("oferta") e
a realoca de forma a rapidamente satisfazer as necessidades dos pacientes
("demanda"). Por causa da concorrência,
tal sistema apresenta outra vantagem: ele está sempre tentando reduzir preços e
aumentar a qualidade. Este princípio
vale tanto para serviços médicos quanto para quaisquer outros serviços, sejam
eles tecnológicos ou de jardinagem.
Já
a burocracia inerente a um sistema de saúde estatal não tem como utilizar
preços de mercado para alocar recursos.
Ela tem de recorrer a outros métodos.
Primeiro, ela tentará planejar de acordo com a demanda estimada. Ela tentará adivinhar o número de fraturas
ósseas, de cirurgias cardiovasculares e de transplantes de rins que ocorrerá no
ano que vem. As estimativas irão
invariavelmente estar erradas, o que gerará escassez em algumas áreas e excesso
de oferta em
outras. Isso significa
que haverá, ao mesmo tempo, desperdício de recursos e sofrimento humano.
Sem
a motivação da busca pelo lucro, não há incentivos para se adaptar à realidade,
para se utilizar equipamentos mais caros e de mais qualidade, para otimizar a
capacidade, para aprimorar o nível dos serviços prestados, e para tratar
pacientes com dignidade. Todas as
mudanças serão impostas, por decreto, pelos burocratas planejadores. Médicos e enfermeiras inevitavelmente ficarão
frustrados. Eles não mais serão livres
para exercitar sua arte ao melhor de suas habilidades, e nem para ajudar as
pessoas o tanto quanto gostariam. Boa
parte dos melhores profissionais irá abandonar a área e migrar para outros
setores.
É
impossível fazer comparativos numéricos, mas é bastante óbvio que o nível de
energia entre os profissionais da medicina na Suécia é baixo quando comparado
ao de outros países. Um residente
americano, amigo meu, passou um ano em um grande hospital sueco. Ele ficou abismado quando descobriu que os
alunos nunca dedicavam parte de seu tempo livre observando procedimentos em
salas de cirurgias. Simplesmente não há
incentivos para se tornar bom na profissão.
É claro que há entusiastas que ainda assim gostam de sua profissão e
fazem um trabalho fantástico, mas o sistema não é propício a essa atitude.
O
planejamento central sempre fracassa. Os
planejadores inevitavelmente acabam percebendo que o mercado é superior. Mas, em vez de admitir e recuar, eles
aprofundam o esquema. Eles começam a
tentar emular um mercado, recorrendo a modismos técnicos como "gestão pública moderna"
ou sistemas de vouchers. Os resultados
destas soluções normalmente se revelam ainda mais desastrosos do que o
planejamento direto. Para fazer com que
a coisa funcione minimamente, eles começam a simplesmente atribuir códigos e
números a tudo: cada tipo de doença passa a ser designada por um código, cada
paciente se torna um número de identificação, e cada procedimento passa a ter
um custo planejado (arbitrário) e uma receita estimada.
Recentemente,
um grande jornal da Suécia relatou que médicos foram ordenados por burocratas a
priorizar pacientes tomando por base seu valor futuro como pagadores de
impostos. Sob esse critério, idosos
naturalmente têm um valor futuro muito baixo, de modo que eles inevitavelmente passaram
a ter baixa prioridade no aparato estatal e se tornaram menos propensos a
receber tratamento adequado. Em um
sistema de saúde privado você pode, como paciente, criar suas próprias
prioridades: você pode, por exemplo, vender alguns ativos e gastar as receitas
para melhorar sua saúde. Já em um
sistema socializado, uma outra pessoa é que irá determinar quais são suas
prioridades.
Como
sabemos da prática, toda ação induzida por um planejamento central gera pelo
menos cinco inesperadas reações em sentido oposto, sendo que cada uma delas
será, por sua vez, contra-atacada com ainda mais regulamentações e
planejamentos. Com o tempo, o sistema
inevitavelmente entra em colapso. Na Suécia,
o sistema de saúde é "gratuito", mas não é acessível.
Para
os casos que não configuram emergência, um sueco tem de ir à "Central de
Serviços de Saúde", que é estatal. Este
sempre é o ponto de partida para qualquer consulta médica, desde uma simples
gripe até um tumor cerebral. O sueco tem
de ir à Central que lhe foi especificada, tudo de acordo com o distrito médico
em que ele vive. Ele só será atendido se
tiver hora marcada. Normalmente, há uma
janela de 30 minutos todas as manhãs, quando você pode ligar para reivindicar
uma das vagas que foram disponibilizadas no orçamento do governo. Mas você tem de madrugar, caso contrário elas
acabam.
Raramente
você consegue uma consulta no mesmo dia.
Um burocrata irá lhe designar um médico que estiver de plantão,
provavelmente um que você nunca viu antes; e provavelmente um que não
fale
sueco; e muito provavelmente um que odeie seu emprego. Se você tiver
uma doença grave, você será
encaminhado a uma fila de espera, na qual, quando chegar a sua vez, você
receberá algumas orientações médicas de um especialista. Esse
procedimento pode demorar meses. E isso não é um mero defeito do
sistema
sueco; isso é uma característica inevitável de um sistema de
planejamento
central, análogo às filas de pão que ocorriam na União Soviética.
É
nesta "fila para o pão" do sistema de saúde que as pessoas morrem. As demoras ocorrem com tanta frequência que,
quando chega a data de o paciente ser atendido por um especialista, sua
condição já se agravou para além de qualquer possibilidade de cura. Também é frequente o sumiço dos pareceres
médicos e o desaparecimento das listas dos encaminhamentos médicos, o que faz
com que todo o tempo de espera tenha sido em vão. Burocracias criam
empregados apáticos e desatentos, que não se importam com ninguém, que não
fazem nenhum esforço, e que nunca são responsabilizados por suas falhas.
Já
se a sua situação for de emergência, você irá à seção de emergência de um dos
vários e enormes hospitais de estilo soviético.
Estocolmo tinha dois desses enormes hospitais. Em 2004, eles se fundiram em
um só. Obviamente, a "fusão" foi um
fracasso, de modo que nos últimos anos tem havido grandes debates sobre a
necessidade de separá-los novamente.
A
sala de emergência é uma experiência completamente inusitada. A menos que você esteja sufocando ou
apresentando uma copiosa hemorragia, você esperará de 5 a 7 horas até ser
atendido. E você só receberá esse
serviço de "alto nível" se chegar ao hospital em um dia útil e durante o
horário comercial. Portanto, se você for
um sueco, é bom programar antecipadamente o dia em que você sofrerá algum
acidente grave. Após o horário
comercial, ou durante os fins de semana, a coisa é muito pior. Em vez de atender os pacientes, os médicos
estão majoritariamente ocupados preenchendo formulários para as autoridades do
sistema central e rabiscando códigos em pequenos quadrados para relatar os
serviços que foram prestados. Já foram
relatados casos em que os pacientes conseguiram ser imediatamente atendidos,
mas tais casos são raros.
Um
fenômeno cada vez mais comum é o de negar ambulâncias àquelas pessoas gravemente
acometidas por todos os tipos de sintomas, desde queimaduras
severas e septicemia,
a infarto do miocárdio ou derrame cerebral.
Se
você planeja sofrer algum sério problema de saúde, é importante também que isso
não ocorra nos meses de junho, julho e agosto, pois nesses meses de verão os
hospitais estão praticamente fechados para férias.
Devido
à ausência da busca pelo lucro, serviços gratuitos não apenas são ruins como
também são muito caros. Um dos
principais bancos da Suécia (o Swedbank) recentemente apresentou um estudo
dizendo que o assalariado médio gasta aproximadamente 70% de seu salário com
impostos para o governo, incluindo-se aí a enorme e invisível fatia que é
retida na fonte. Dado que sistemas
gratuitos se tornam mais caros com o tempo, e dado que é impossível compensá-lo
com aumentos constantes de impostos, torna-se inevitável que, anualmente, novas
doenças sejam listadas como não-graves, e portanto deixem de ser cobertas.
Na
etapa final do fracasso do planejamento central, os planejadores simplesmente
desistem. Eles lavam as mãos para tudo,
e decidem "privatizar" os serviços. Isso
começou a ser feito na Suécia. Só que,
na prática, isso significa que eles desovam hospitais a preços de liquidação
para empresários com boas conexões políticas.
Ato contínuo, os próprios planejadores se tornam supervisores e
reguladores. Isso cria um "mercado" extremamente
protegido no qual os "empreendedores" devem apenas entregar serviços de
qualidade estatal a preços que são estipulados de acordo com cálculos que
estimam quanto custaria ao governo fazer o mesmo serviço.
Obviamente,
isso cria distorções tão grandes, que seria possível atravessá-las com
ambulâncias. E não há nenhuma livre
concorrência para trazer alguma racionalidade a isso.
O
mercado de saúde privado na Suécia é pequeno.
Poucas pessoas podem pagar por ele, uma vez que elas já pagam 70% de impostos
para todas as outras coisas "gratuitas" e dado também que o sistema é altamente
regulado e não há livre concorrência (o que significa preços artificialmente
altos). Os políticos, obviamente,
utilizam o sistema privado, mas quem paga são os cidadãos suecos. Aparentemente, eles são pessoas tão especiais
que o sistema estatal que eles amorosamente criaram para os outros não serve
para eles.
Aos
apologistas do modelo de saúde sueco: eu vivo neste modelo. Creiam-me: ele não funciona.
Fonte:Mises
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