Atualmente,
todas as nações tratam as pessoas, as empresas e os recursos naturais dentro de
suas fronteiras como se fossem propriedades do estado. Alguns recursos, como petróleo e minerais,
são de fato propriedade de vários governos nacionais.
Mesmo
naqueles países em que há vários recursos naturais em mãos privadas, como nos
EUA, o governo controla todos os importantes aspectos das indústrias destes
setores, com uma apertada regulação.
Como resultado, quando ocorrem contendas internacionais, esses governos
utilizam seus cidadãos inocentes como ativos de guerra para proteger os
interesses dessas empresas reguladas.
Simultaneamente, os governos belicistas proíbem todas as empresas
privadas nacionais de praticarem transações comerciais com os cidadãos do outro
país que está sendo atacado. O intuito
destas sanções é punir o governo inimigo, mas, na prática, os maiores punidos
são os cidadãos inocentes. No que mais,
nenhuma compensação é oferecida pelos prejuízos e pelas perdas comerciais
sofridas pelas empresas inocentes.
Essas
sanções jamais conseguiram atingir o objetivo de deixar os governos
estrangeiros de joelhos; elas lograram apenas agravar a questão que está sob
disputa.
Por
exemplo, após a ocupação russa da Criméia, a Rússia ridicularizou a reação
instintiva e automática dos EUA e da Europa de congelar algumas contas
bancárias russas e de negar a determinados russos o direito de viajar até o
Ocidente. Duvido muito que alguém
realmente acreditou que essas penalizações econômicas iriam funcionar como
almejado; tudo não passou de jogo de cena apenas para mostrar ao mundo — e ao
governo russo — que o Ocidente estava "fazendo alguma coisa".
Tais
ações, aliás, serviram apenas para agravar a situação. A Rússia agora ameaça retaliar cortando o
fornecimento de gás natural aos seus consumidores da Europa Ocidental. Ao contrário das simplórias ações dos EUA e
da Europa, essa ameaça russa tem sua eficácia, pois, como bem disse
recentemente o Ministro de Energia da Alemanha, Sigmar Gabriel, "não há
alternativa sensata" à importação de gás da Rússia.
Não
sabemos se essa crise na Ucrânia poderia ter sido evitada. Porém, analisemos algumas políticas que podem
evitar, ou ao menos atenuar, outras possíveis crises semelhantes.
Livre comércio
A
centelha que inflamou a anexação russa da Criméia tem suas raízes no livre
comércio — ou melhor, na ausência dele.
A oposição ucraniana era contra a participação do país em um mercado
comum, porém restrito, com a Rússia. Ela
defendia que, em vez de um mercado comum com a Rússia, o país se juntasse à
União Europeia.
O
presidente da Ucrânia, Victor Yanukovych, vinha há meses dando a entender que
estava negociando um acordo com a União Europeia. E então, repentinamente, ele deu uma guinada
radical e anunciou que o país iria aderir a uma união aduaneira com a Rússia.
A
subsequente fúria da maioria dos ucranianos acabou levando à derrubada do
governo de Yanukovych, à determinação dos revolucionários de se juntar à União
Europeia, e à tomada russa da Criméia.
Será que tudo isso poderia ter sido evitado?
A
União Europeia de fato promete livre comércio, mas apenas dentro de suas fronteiras. A
União impõe cotas e tarifas de importação para produtos de fora da UE. Sendo assim, o impacto sobre a Rússia de a
Ucrânia se tornar membro da União Europeia seria similar ao impacto que
ocorreria sobre os EUA caso o Canadá se juntasse à UE e saísse do NAFTA
(ignoremos aqui o fato de que o NAFTA é um falso acordo de
livre-comércio entre EUA, Canadá e México).
O importante comércio americano com o Canadá seria substancialmente
reduzido e isso geraria desastrosas consequências para ambos os países.
Infelizmente,
há um perigoso adendo militar à questão da Ucrânia se juntar à UE: quase todos
os membros da UE também são membros da OTAN.
Muitos países do Leste Europeu que faziam parte do Pacto de Varsóvia se
juntaram à OTAN logo depois de terem se juntado à UE. Sem dúvidas, a Rússia concluiu que a Ucrânia
seguiria os mesmos passos, e isso faria com que a Rússia tivesse um membro da
OTAN em seu quintal. Nada bom. A situação seria semelhante à da Crise dos
Mísseis em Cuba, quando os EUA quase entraram em guerra nuclear com a Rússia
para impedir que Cuba se juntasse ao Pacto de Varsóvia e, com isso, mantivesse
forças nucleares russas no quintal americano.
Foi
a suposição de que a Ucrânia se juntaria a uma dessas duas uniões aduaneiras o
que gerou a crise. A população da
Ucrânia é dividida em dois lados: o leste da Ucrânia e a Criméia são pró-Rússia,
e o resto da Ucrânia é pró-Ocidente. A
opinião pública e as lealdades na Ucrânia são igualmente divididas e parecem
intratáveis. Qualquer movimento de união
a uma ou a outra união aduaneira iria inevitavelmente gerar indignação do outro
lado.
Mas
o povo ucraniano não precisa ser confrontado com apenas estas duas alternativas
perigosas. A Ucrânia deveria permanecer
livre de todos esses emaranhados econômicos e não se juntar a nenhuma união
aduaneira. Ela deveria unilateralmente
se declarar uma nação livre para comercializar com quem quiser, e aceitar
importações e investimentos estrangeiros oriundos de qualquer lugar.
Uma economia de mercado desobstruída e o
estado de direito
A
reação da Rússia às sanções econômicas do Ocidente contra alguns de seus
principais cidadãos foi a de ameaçar cortar o vital fornecimento de gás natural
para a Europa. No entanto, em situações
normais, mesmo com o gás sendo propriedade do estado russo, essa recusa em
honrar contratos resultaria em severas penalidades econômicas sendo impostas a
empresas russas por quebra de contrato de seu governo. Dado que o suprimento de gás é controlado
pelo estado russo, clientes estrangeiros poderiam requerer na justiça a aprovação
para arrestar ativos nacionais russos completamente não-relacionados ao setor
de gás, como por exemplo navios e aviões.
Isso
ocorreu com ativos de empresas brasileiras na década de 1980 —
majoritariamente aviões e navios — em consequências de seu governo ter dado o
calote em sua dívida externa. E isso
ainda está ocorrendo com os argentinos desde meados da década de 2000. A presidente da Argentina, sempre que voa
para o estrangeiro, voa em aviões comerciais, e não em aviões militares
argentinos, pois um avião da Força Aérea argentina seria arrestado pelos
credores internacionais da Argentina em praticamente qualquer lugar do
mundo.
Mas
o problema atual é que os países europeus não têm alternativa a não ser ceder à
chantagem russa. Estes países regularam
de tal modo seus próprios mercados de energia, que se tornaram completamente
dependentes da produção de energia de semi-ditaduras excêntricas, como a
Rússia.
Se
as empresas de energia da Europa não tivessem sido tolhidas pelas
regulamentações de seus governos (majoritariamente influenciados por pressões
ambientalistas) e fossem livres para explorar todas as possibilidades de fontes
domésticas de energia, elas iriam adorar todas as vezes que um de seus
principais concorrentes desse um tiro no próprio pé ao se recusar a honrar seus
contratos. Elas iriam expandir a
produção e recapturar rapidamente uma fatia do mercado europeu hoje dominado
pela Rússia. Da mesma maneira, se os EUA
tivessem um livre mercado no setor energético, suas empresas rapidamente
passariam a vender gás natural para a Europa.
No entanto, há
leis americanas que proíbem a exportação de gás natural, outro insulto ao
bom senso econômico.
A
Europa e os EUA foram rápidos em congelar as contas bancárias e outros ativos
de propriedade russa. Mas que direito
têm esses países de obrigar essas empresas privadas (no caso, bancos e algumas
imobiliárias) a desonrar seus contratos?
Os bancos de investimento de Nova York, Londres e Frankfurt sofrerão
várias perdas no futuro, à medida que empresários russos e de outras nações em
contenda com os EUA e a Europa começarem a levar seu dinheiro e seus negócios
para países mais neutros. Como sempre
explicou Ludwig von Mises, é o consumidor quem direciona a estrutura da
economia por meio de suas decisões de comprar e de se abster de comprar. Portanto, no final, serão os cidadãos comuns
de ambos os lados da contenda os que mais irão sofrer com as ações arbitrárias
de seus governos, os quais querem utilizar os empreendimentos privados destes
cidadãos como armas nessa disputa.
O
pleno respeito ao estado de direito, aos direitos de propriedade e à santidade
dos contratos forçaria os países em contenda a solucionar suas divergências
pacificamente. Um saudável respeito
pelas leis e a não-interferência em questões econômicas evitariam o surgimento
de várias crises. Tivesse a Ucrânia se
declarado uma nação adepta de um genuíno livre comércio, sem querer fazer parte
de artificiais uniões alfandegárias regionais, certamente não haveria
protestos, não haveria revolução e não haveria anexação russa da Criméia.
Fonte:Mises
Fonte:Mises
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