Francis
Fukuyama ficou famoso em 1988 por causa da publicação de seu livro O Fim da
História. A tese que ele defendia
era tola e simplória: a democracia liberal havia derrotado todos os sistemas e, dali em
diante, passaria a ser o arranjo preponderante e superior a todos os
outros. Isso se comprovou uma óbvia
inverdade. Pense no Islã. Pense na política burocrática reinante na
China. Pense em Hong Kong e em Cingapura,
que não têm democracia — ao menos, não no estilo defendido por Fukuyama.
À
época, o livro recebeu uma estrondosa publicidade. Hoje, ele raramente é citado. Nunca entendi por que esse livro foi levado a
sério. No entanto, durante um bom tempo,
várias pessoas o levaram a sério.
Em
1995, Fukuyama publicou outro livro: Confiança. A publicidade recebida por este livro foi
ínfima. Mas o livro é excelente. Digo mais: é um dos mais importantes livros
já escritos sobre economia e ordem social.
Neste
livro, Fukuyama analisa os efeitos da confiança sobre uma sociedade. Ele concentra sua análise nos Estados Unidos,
no Japão, na China e no sul da Itália, onde praticamente não há confiança
nenhuma em nada e ninguém confia em
ninguém. Ato contínuo,
ele analisa como a presença ou a ausência da confiança pode se tornar uma fonte
de ordem social, de crescimento econômico e de aumento da produtividade
geral.
Ele
descobriu, de maneira nada surpreendente, que os EUA, até
aproximadamente 1960,
possuíam uma enorme vantagem competitiva em relação ao resto do mundo
por causa
do alto nível de confiança que seus habitantes tinham em relação aos
seus conterrâneos. À medida que a confiança foi declinando, a
taxa de crescimento econômico também declinou.
Concomitantemente ao declínio na confiança houve um aumento no número de
advogados.
Uma
das sociedades menos produtivas de toda a Europa Ocidental é a do sul da
Itália. Ele atribui isso à falta de
confiança que reina na região. Esse é um
dos motivos pelos quais as sociedades secretas, especialmente a Máfia, têm
tanta influência no sul da Itália: tais organizações provêm um mínimo de ordem
social para seus membros, e a população em geral não oferece muita resistência
à existência destas organizações.
A
seção sobre a China é a mais interessante.
Fukuyama diz que os chineses apresentam um grande nível de confiança, mas somente em relação às suas famílias. Isso faz com que seja muito difícil para empresas
chinesas concorrerem com pequenos empreendimentos geridos por famílias ou com pequenos
empreendimentos que tenham conexões familiares.
Faz com que seja mais difícil criar grandes empresas. E faz com que seja ainda mais difícil
levantar fundos e conseguir capital para financiar essas grandes empresas.
Já
o Japão está em um meio-termo entre os EUA e a China. No Japão, ao contrário da China, há mais
confiança em organizações que não estejam ligadas a famílias. No entanto, os grandes conglomerados
japoneses possuem em suas raízes um pequeno número de famílias japonesas.
Em
seu livro, Fukuyama dizia acreditar que as corporações japonesas poderiam
concorrer no mercado internacional de maneira mais efetiva do que as empresas
chinesas porque os japoneses podiam contratar as melhores pessoas, muito embora
suas empresas não apresentassem conexões familiares. Os japoneses também seriam capazes de
conseguir dinheiro para investimentos mais facilmente do que as empresas chinesas.
Se
olharmos o que ocorreu ao longo das últimas décadas, creio que essa tese se
comprovou. Empresas chinesas
demonstraram uma maior tendência de serem mais intimamente associadas ao
governo chinês. O estado tem sido a
fonte de financiamento das empresas chinesas.
O sistema bancário está mais intimamente ligado ao estado na China do
que nas nações ocidentais.
A ausência de instituições formais pode ser
observada quase que em sua integralidade na República Popular da China, onde a
ideologia maoísta foi a grande responsável pelo atraso na introdução de
instituições "burguesas", como o direito comercial. Até o presente momento, empreendedores na
China têm de enfrentar um ambiente jurídico extremamente arbitrário, no qual os
direitos de propriedade são tênues, os níveis de tributação são variáveis e
mudam de acordo com as vontades de cada governo provincial, e o suborno é a
rotina quando se lida com funcionários do governo. (p. 330)
Empresas
chinesas têm sido bem-sucedidas em exportar bens manufaturados. E continuará sendo assim por um bom tempo,
pois o governo mercantilista está declaradamente comprometido em manter a moeda
desvalorizada para seguir estimulando as exportações, mesmo que à custa do
bem-estar de todo o resto da população.
A economia chinesa funciona mais na base do "quem você conhece" do que
na base do "o que você sabe fazer".
Meu
palpite é que as empresas chinesas serão menos eficazes no setor de serviços do
que no setor industrial, pois a confiança dos chineses não vai além das ligações
familiares. E é aí que surge o problema:
à medida que uma nação enriquece, o setor de serviços ganha mais
importância. A tendência da economia é
diminuir a importância do setor industrial e aumentar a participação do setor
de serviços. Isso será um grande fator restringente
sobre o desenvolvimento da economia chinesa.
Fukuyama
também escreveu o seguinte:
Um estado liberal é, em última instância, um
estado limitado; um estado em que a atividade do governo é estritamente
delimitada pela esfera da liberdade individual.
Se tal sociedade não se degenerar no caos ou se tornar ingovernável, ela
será capaz de apresentar uma autonomia governamental em todos os níveis de
organização social. A sobrevivência de
tal sistema dependerá não somente da lei, mas também do autocontrole e do
comedimento dos indivíduos. Se eles não
forem capazes de apresentar uma coesão em prol de um propósito comum; se eles
não forem tolerantes e respeitosos em relação aos conterrâneos, ou não
respeitarem as leis que eles próprios criaram para si mesmos, uma agência com
grande poder coercivo terá de ser criada para manter cada indivíduo na
linha.
Por outro lado, um arranjo sem estado pode
funcionar em uma sociedade que apresente um grau extraordinariamente alto de
sociabilidade espontânea; uma sociedade na qual o comedimento, a temperança e o
comportamento baseado em normas fluam naturalmente do cerne desta sociedade,
sem ter de ser trazido de fora.
Um país com um capital social baixo não apenas
é mais propenso a ter empresas pequenas, fracas e ineficientes, como também
sofrerá mais com a corrupção generalizada de seus funcionários públicos e com
uma administração pública ineficaz. Tal
situação é dolorosamente evidente na Itália, onde, à medida que se sai do norte
e do centro do país em direção ao sul, percebe-se uma relação direta
entre atomização social e corrupção (pp. 357-58).
Creio
que a teorização acima é correta. Ela é
perceptível em todos os países que enriqueceram. Além dos EUA, pense na Suíça, no Canadá, na
Austrália e na Nova Zelândia. Pesquise o
nível de confiança vigente nestes países.
Pesquise como sua população interage entre si. Pesquise o grau de burocracia exigido para se
fechar um negócio. Depois, faça o mesmo
para os países da América Latina e da África.
Fonte:Mises
Fonte:Mises
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