Já
se tornou lugar-comum culpar os problemas do SUS à má gerência e à corrupção. No
entanto, poucos se atrevem a atribuir a culpa dos problemas intrínsecos ao SUS
(longas filas, falta de infra-estrutura, escassez de remédios, ausência de
médicos etc.) ao próprio sistema.
Vamos
analisar alguns dos mitos mais comuns sobre os SUS para entendermos como essas
características não são, de fato, um problema de gestão, mas sim inerentes ao
próprio sistema.
O
mito do Robin Hood
O
principal lugar-comum utilizado pelos defensores do sistema público é o da "justiça"
da distribuição de renda: os mais ricos pagam para os mais pobres que não têm
condições de arcar com os custos dos tratamentos. Infelizmente, a realidade é
exatamente oposta.
Em
primeiro lugar, vale lembrar que os mais pobres também pagam uma quantia
exorbitante de imposto para financiar o sistema público. Se o que eles pagam de imposto fosse
exatamente igual ao que recebem em retorno, então, por definição, não haveria
sentido algum haver um sistema público de saúde. Mesmo que não houvesse absolutamente nenhuma
corrupção, isso significaria que algumas pessoas — em especial aquelas com
casos clínicos mais graves, como as que necessitam de remédios controlados ou
cirurgias complicadas — estariam recebendo do sistema mais do que pagaram.
O
problema é que, para cada pessoa que recebe mais do que paga, existe alguém que pagou mais do que recebeu.
Isso significa dizer que, longe de redistribuir renda dos ricos para os pobres,
o que o SUS de fato faz é "distribuir renda" dos mais saudáveis para os menos
saudáveis.
A
população mais saudável, seja ela formada por ricos ou pobres, normalmente tem
poucos gastos com saúde: apenas uns poucos exames ou consultas de rotina, algo
pelo qual os pobres poderiam tranquilamente pagar com a poupança que
conseguiriam caso mantivessem para si o que pagam de imposto para a saúde.
Longe
de melhorar a situação dos pobres, o SUS beneficia apenas uma pequena minoria
ao mesmo tempo em que torna ainda mais pobres todas as pessoas saudáveis que
acabam pagando a conta, independentemente de classe social.
Se
a intenção é realmente aumentar a acessibilidade aos serviços de saúde para os
mais pobres, uma solução mais viável seria o governo reduzir impostos e
pagar apenas por aqueles tratamentos mais caros pelo qual os
pobres realmente não podem pagar, ao mesmo tempo em que se abstém de regular e
administrar o setor, permitindo a livre concorrência nesta área, o que jogaria
os preços para baixo e a qualidade para cima.
Também
seria possível a criação de agências privadas de financiamento ou de caridade
para pagar pelos tratamentos mais caros e cujos preços são proibitivos para os
mais pobres, talvez até mesmo eliminando a necessidade de intromissão do
governo. Mas isso só seria possível com
a extinção do atual sistema, no qual o governo monopoliza o tratamento aos mais
necessitados ao mesmo tempo em que empobrece a todos no processo.
O
mito do almoço grátis: o sistema público é como um grande balde furado
Ao
contrário da mitologia popular — e como explicado acima —, não há nada de
gratuito no sistema público de saúde. Ou
você paga por um serviço como pagador de impostos, ou você paga como
consumidor. O maior problema de qualquer
serviço ou produto subsidiado é justamente o fato de que aqueles que usam tal
serviço são financiados por aqueles que não o utilizam.
Mesmo
que ignorássemos esse inconveniente, ainda assim há o problema relativo à
maneira totalmente deturpada como o serviço é financiado. O financiamento do serviço público provém dos
impostos, cujas receitas não têm qualquer relação com a qualidade do serviço ou
com a quantidade de pessoas atendidas. Pior
ainda: o dinheiro disponível por tratamento é inversamente proporcional ao
número de pacientes tratados. Se o governo arrecada, digamos, R$1 bilhão em
impostos e atende 10 milhões de pessoas, isso significa que ele poderá gastar
até R$100,00 por paciente. Mas se o
número de pacientes dobra, isso significa que ele disporá de apenas R$50,00 por
tratamento.
Vale
lembrar que esse orçamento não é apenas para o tratamento: este dinheiro dos
impostos também deve pagar instalações, maquinário e medicamentos. Ou o dinheiro irá para o tratamento ou para
infraestrutura. De qualquer forma, um só
é possível à custa do outro: cada centavo para infraestrutura é um centavo a
menos disponível para o tratamento dos pacientes.
No
setor privado ocorre exatamente o oposto. Um hospital privado que seja gerenciado como
qualquer outra empresa — isto é, buscando o lucro — só terá dinheiro
disponível para investir em infraestrutura caso trate bem seus
pacientes. Parte do lucro poderá então ser
reinvestido em aumentos salariais, na construção de novas alas, na compra de
equipamentos etc.
Se
no serviço público o investimento em infraestrutura é feito à custa de
tratamentos que deixaram de ser realizados, no setor privado ocorre o oposto:
tal investimento só é possível graças ao atendimento aos
pacientes. O dinheiro segue uma linha de
mão única: parte do dinheiro pago nos tratamentos volta como investimento em infraestrutura. No
setor público há uma encruzilhada, é ou um ou outro.
Não
há nenhuma mágica aqui: no sistema público, o tratamento é uma fonte de gastos enquanto
que no setor privado é uma fonte de renda. O setor público é como um gigantesco balde
furado que é enchido à custa de todos os pagadores de impostos: cada tratamento
adicional significa um novo furo no balde. No setor privado não há nenhuma
torneira, mas também não há furos: cada paciente atendido despeja o conteúdo de
um copo d'água dentro do balde, até que este esteja cheio.
Não
é preciso ser nenhum gênio para perceber qual sistema é o mais sustentável.
O
estímulo ao desperdício
Outro
problema com a oferta "gratuita" é que ela cria a ilusão de que os serviços
médicos devem ser ilimitados, e que sempre deve haver um médico ou uma sala de
cirurgia disponível, a qualquer hora, em qualquer ocasião.
Entretanto,
assim como qualquer outro serviço, o atendimento médico não pode ser ofertado
de uma maneira ilimitada. Por acaso é
possível uma frota infinita de ônibus? Um
número ilimitado de salas de aula, bibliotecas e professores? (Aliás, diga-se de passagem, neste último caso
não haveria sequer necessidade de salas de aula; qualquer um poderia contratar
um tutor particular.) Um número infinito
de conexões ou uma velocidade de internet infinita? Absolutamente não. Não há por que ser diferente no setor de
saúde. Mas é essa a mentalidade que é
criada quando se declara que a saúde é um "direito".
Uma
das virtudes do sistema de preços é que ele fornece informações sobre a
disponibilidade de qualquer bem ou serviço, e estimula um uso prudente e
racional destes.
Imagine
uma cidade do interior em que haja escassez de médicos, e estes cobrem 200
reais por consulta. Dificilmente alguém
pagaria 200 reais por uma consulta apenas porque o filho está com uma dor de
cabeça; o mais racional seria tentar alguns remédios caseiros e só levá-lo ao
médico caso a situação se agrave. O que
é uma boa notícia: isso poupará um tempo precioso para os médicos, que poderão
usá-lo para tratar pacientes em estados mais graves ou que necessitem de um
atendimento mais urgente.
A
escassez de serviços médicos, nesta ocasião, leva a um aumento do preço, que
por sua vez incentiva as pessoas a usarem estes serviços de uma maneira mais
prudente, recorrendo a eles apenas quando for estritamente necessário — sem
contar, obviamente, que os preços altos seriam um atrativo para que médicos de
outros lugares se disponibilizem a trabalhar na dita cidade, reduzindo o
problema da escassez.
Entretanto,
quando a oferta passa a ser gratuita, tanto o estímulo quanto essa informação
desaparecem. Torna-se impossível estimar
a oferta e a disponibilidade do serviço. Alguém que usasse o serviço privado de
maneira abusiva pagaria um alto preço por isso; porém, no setor público, o
preço é sempre fixo e invisível (que o pagador de impostos é obrigado a bancar).
O fato de a oferta ser gratuita e de a
saúde ser decretada um "direito" também cria a falsa ilusão de que a oferta de
tais serviços será ilimitada.
Uma
mãe cujo filho tem apenas uma dor de cabeça ou uma mera dor de barriga não mais
terá o incentivo para procurar os serviços médicos apenas quando estritamente
necessário. Essa demanda irrestrita
inevitavelmente criará gigantescas filas de espera, atormentando tanto médicos —
que ficarão sobrecarregados — quanto pacientes, que se frustrarão pela
lentidão dos atendimentos.
É
nessa situação que as pessoas começam a colocar a culpa na gestão. Jamais lhes passa pela cabeça que o uso
indiscriminado de tal serviço é a verdadeira causa das longas filas.
A
questão é que os incentivos criados pelo setor público levam a um uso
indiscriminado, abusivo e irresponsável do sistema — e não o contrário, que
seria o ideal.
Conclusão
As
longas filas de espera também possuem outra explicação, a qual passa por uma
combinação de fatores já mencionados: a oferta de serviços médicos é limitada
pela arrecadação de impostos ao passo que a destruição dos incentivos corretos
gera uma demanda artificialmente alta.
Para
resolver este problema, deve-se ou aumentar a oferta — o que é impossível,
dado o orçamento limitado do governo e o fato de ele não ter qualquer relação
com o número de pacientes atendidos — ou reduzir a demanda.
Há
duas maneiras de se reduzir a demanda: aumento de preços — o que também é
impossível já que a oferta é "gratuita"— ou racionamentos, como listas de
espera.
A
maneira como o sistema é financiado empobrece justamente aqueles a quem ele
visa ajudar e derruba a qualidade do serviço, uma vez que o dinheiro disponível
para cada tratamento se torna mais escasso a cada paciente atendido. Para agravar, as regulações para impedir o
êxodo dos médicos para o sistema privado impedem a concorrência e encarecem
os tratamentos.
Outro
efeito nefasto de todo esse paternalismo é a destruição do estímulo à caridade
e também do senso de cidadania e de responsabilidade dos cidadãos. Quando o
governo passa a monopolizar o cuidado aos pobres, uma das consequências
naturais é que isso diminui ou destrói a propensão à caridade, uma vez que as
pessoas — que já se sentem moralmente desobrigadas em decorrência dos impostos
que pagam — ficam apenas esperando que o governo resolva tudo, já que passam a
entender como legítima a função do governo de tutelar os mais pobres.
Longe
de ser um problema de má gestão ou de corrupção, os problemas do sistema
público são apenas as consequências naturais de sua própria natureza.
Fonte:Mises
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