Você nunca pode escapar do seu passado. |
Existem filmes que incomodam por temática, abordando assuntos que não
conseguimos ver sem desconforto. Outro incomodam por formato com
histórias contadas com estilos que fogem dos moldes do cinema. “Praia do
Futuro” é uma produção que tem essas duas características, tanto
positiva quanto negativamente.
Alternando impacto e velocidade com lentidão, não é um filme que conquistará o grande público, mas que tem seus méritos.
Donato (Wagner Moura) é um salva-vidas na Praia do Futuro, em
Fortaleza, e um herói de seu irmão menor, Ayrton (Savio Ygor Ramos,
depois Jesuita Barbosa). Um dia, depois de falhar em um salvamento,
Donato conhece o motociclista alemão Konrad (Clemens Schick), amigo da
vítima, e iniciando um relacionamento com ele, larga tudo para trás e
foge para Berlim. Conforme o tempo passa, Donato passa a ter que
enfrentar as consequências de sua escolha, descobrindo que não pode
fugir do seu próprio passado.
Qualquer tentativa de resumir “Praia do Futuro” cai no que é um dos
principais problemas da produção: a história é dividida em três atos,
mas como são poucos eventos principais, qualquer sinopse consegue chegar
sem esforço ao final. Não é que o filme não tenha história – a grande
aposta aqui é na caracterização de personagens. Cada um dos atos tem
acontecimentos principais, dando-se a liberdade de deixar várias brechas
entre os capítulos.
Em um primeiro momento, esperamos algo sonoro, violento e catártico: a
divulgação e a abertura (bem como os créditos finais) apostam em música
alta e letreiros estilosos com cores berrantes. O contraste é imenso
com as cores mais naturais e amenas, primeiro das praias de Fortaleza, e
depois com o cinza de Berlim.
O diretor opta por tomadas longas, buscando trabalhar mais
expressões, gestos e momentos em que falas são pontuais, pouco
importando. Estas funcionam como um contraste para os grandes diálogos
(especialmente no começo e no final), bem como colaborando para exaltar
ações mais marcantes. Isso tem um efeito colateral que não vai agradar
muitos: um trio de personagens soturnos, com cenas longas e um
desenvolvimento lento – fórmula certa para desinteresse (ou até sono)
para os mais incautos.
Isso é especificamente mais grave no segundo capítulo. Enquanto o
primeiro é mais intenso, pessoal, apresentando os principais conflitos
que vão ditar o fim da história, e o terceiro retorna com diversos
elementos temáticos e uma das sequências mais interessantes do filme, a
segunda parte acaba sendo a mais morna e cinza.
Ao menos a força no começo e no final funcionam, especificamente
quando tratamos do principal do abandono de Donato e das consequências
de ter que lidar com seu passado e das coisas que não conseguia
enfrentar, encarnadas especialmente na figura de Ayrton.
Tematicamente, “Praia” gosta de abordar pequenos detalhes que
funcionam como símbolos do conflito de Donato e companhia, por algumas
vezes óbvios, por outras extremamente discretos. Além do mar e da água
alternando simbolismo e realidade, um dos mais proeminentes e
interessantes é a maneira que Ayrton, ainda criança, se apelida de
“Speed Racer”, chama Donato de “Aquaman” e Konrad de “Motoqueiro
Fantasma”. As referências não estão presentes à toa, e mais do que uma
simples caracterização, conversam diretamente com elementos da trama.
A “intensidade” prometida pela música e pelos letreiros coloridos até
surge no relacionamento dos personagens. As relações do filme se marcam
por muito que não dito e por conflitos constantes. Vemos brigas
intensas, e até mesmo o envolvimento romântico e o sexo de Donato e
Konrad é violento. Ainda em conteúdo, o diretor parece ter uma
predileção por mostrar o corpo masculino, e o faz com um cuidado único,
mas que por vezes cai no excesso. Um excesso que, diferente de outros,
parece menos justificado.
Considerando a montagem, notamos que por diversos momentos parece
tentar tratar os três com a mesma importância, mas no fim das contas o
personagem de Wagner Moura acaba fazendo as vezes de protagonista. É,
inclusive, em sua relação com o irmão que estão os principais elementos,
a essência do filme, mais do que em sua fuga ou seu relacionamento com
Konrad. De certo modo isso é uma pena, já que o próprio roteiro parece
se esquecer disso em alguns momentos, apostando em outros pontos bem
menos interessantes.
Fãs de Wagner Moura provavelmente estranharão a obra, e muitos mais
conservadores irão se chocar – afinal, a obra coleciona nus masculinos,
incluindo cenas de sexo gay -, mas ela tem seu valor, especialmente em
suas explorações temáticas. A lentidão provavelmente vai desagradar à
maioria do público, então nem passe perto se isso não for sua praia.
Fonte:POP
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