O
que têm em comum um pingente de ouro, um violino Stradivarius, um relógio
Cartier, um terno Armani, e um iPhone 5s?
Nada tecnológico. Simplesmente há
algo no luxuoso que sempre irritou profundamente estóicos, ascetas,
mendicantes, esquerdistas e hippies ao longo da história.
Os
ataques contra o luxo vêm ocorrendo há pelo menos 2.500 anos, e sempre forneceram
uma espécie de "estímulo intelectual" a vários pensadores (bem como aspirantes
a pensadores), desde meninos ricos e mimados que se rebelam contra sua condição
a filósofos de todos os matizes e credenciais, passando por sangrentos revolucionários
igualitaristas.
No
entanto, fica a pergunta: o que realmente é o luxo e por que ele gera tanto
ódio de quando em vez? Um dicionário
define luxo como "qualquer coisa
dispendiosa ou difícil de se obter, que agrada aos sentidos sem ser uma
necessidade". Outro define como "tudo que apresenta mais riqueza de
execução do que é necessário para a sua utilidade". E outro define como "o que é supérfluo, que passa os limites do
necessário". Por fim, mais um outro define
como "magnificência, ostentação, suntuosidade; aqueles bens, acomodações,
manufaturas, obras de arte e demais objetos que excedem o necessário".
Em
comum, todos recorrem a uma variação da expressão "além do necessário".
Mas o que é isso de "necessário"? Há sempre algum intelectual
empedernido
dizendo que o necessário para viver são apenas "alimentos, roupas e
moradia", e
que qualquer coisa além disso não passa de "ostentação".
O
problema é que tal definição é incrivelmente retrógrada: além de negar todo o
processo de criação de riqueza produzido pelos homens, ela reduz os seres
humanos às suas mais puras necessidades biológicas (energia e proteção perante
as intempéries). Em outras palavras, ela
reduz os seres humanos exclusivamente ao seu lado animal.
Só
que nós seres humanos somos qualitativamente distintos: temos a capacidade de
sonhar, de projetar e de criar. Isso
significa que uma necessidade muito íntima do ser humano é a de criar, de dar
vida às suas ideias, e de fazer arte. E
é aqui que o luxo entra em cena: em todas essas coisas que, de um ponto de
vista animalista-mecanicista, "não são necessárias", mas que enriquecem nossas
vidas.
Para
uma porcentagem importante da população, ter um iPod não é a mesma coisa do que
ter qualquer outro reprodutor de MP3. E
o motivo é simples: um produto da Apple não exerce apenas "função"; ele também é
uma "declaração de status", ou seja, ele é um aporte à imagem de seu
usuário. Como primatas avançados, temos
a capacidade de embelezar e decorar as coisas, e é nessa capacidade que reside
a essência daquilo que é humano. Um iPod
ou um iate são facilmente criticáveis; já uma sinfonia de Beethoven ou uma
receita gastronômica mediterrânea feita com 40 ingredientes orgânicos não
apenas não são criticáveis, como são tidas como "cultura".
Eis
aí o ardil conceitual dos inimigos do luxo: criticam o consumidor do luxo — o
usuário — mas não seu criador, o qual muitas vezes é tido como uma alma
artística, sensível e até mesmo industriosa.
O
luxo é obtido à custa da alguém? Nos
tempos das teocracias e dos regimes feudais, o luxo sempre surgia à custa da
qualidade de vida de terceiros. Faraós,
ditadores socialistas ou emires árabes são exemplos de pessoas que conseguiram
luxo à custa da qualidade de vida de sua população. Com efeito, no passado, muitas terras e
fortunas foram adquiridas mediante o uso da força, e não mediante o
comércio. Porém, nas sociedades
industriais e comerciais atuais, a riqueza é criada com a produção e
subsequente comércio. O que possuímos
não foi criado à custa de outra pessoa.
Ao
se analisar o luxo, há quase sempre uma tendência de se separar o "belo" do
"funcional". Só que tal divisão não
deixa de ser impossível. Muitos daqueles
que atacam o "excessivo" em determinado aspecto, o defendem inflexivelmente em
outra aplicação. Muitos amantes da
música consideram uma escultura algo desnecessário, e muito artistas não
entendem a beleza de uma invenção mecânica ou de uma fórmula matemática. A primeira defesa do luxo passa pela ética: o
que terceiros fazem com seu corpo, com seus membros e com seus materiais
adquiridos de maneira pacífica e voluntária não é problema nosso, não nos
prejudica e nem sempre seremos capazes de entender suas motivações.
Na
economia, um bem de luxo é definido como aquele cuja demanda aumenta desproporcionalmente
em relação ao aumento da renda. Disso,
vale uma observação: o luxo só pode ser definido de forma relativa. O luxo só é luxo dentro de algum contexto específico.
Citando Ludwig von Mises,
"os luxos de hoje são os bens triviais de amanhã". Assim como a filósofa russa Ayn Rand disse
que "a função da arte é nos mostrar as coisas tal como poderiam ser", podemos
dizer, parodiando Mises, que a função do luxo é nos mostrar o caminho
massificador para que as coisas passem a ser para todos. O progresso humano não é estático: o que nos
parece um bem absolutamente normal nos dias de hoje, começou sem nenhuma dúvida
sendo um luxo (extravagância? Ostentação?) para poucos.
Pense
em um sanduíche de presunto obtido em qualquer birosca de qualquer bairro da
sua cidade. Sem dúvidas, ele seria uma
delicatessen no Sudão, um país extremamente atrasado e pobre. No entanto, se formos para a Suíça ou para a
Noruega, o sanduíche que come um pedreiro parecerá uma delicatessen — tomando
por base seus ingredientes — se comparado aos sanduíches vendidos nos bairros
pobres das cidades do Brasil, do Equador, do Peru ou da Bolívia. Por isso, o luxo sempre se dá dentro de um
contexto específico. Certamente, para
nossos antepassados da era paleolítica, qualquer moradia com dois recintos
seria uma mansão. Cada filho de uma
família ter suas próprias roupas e sapatos, em vez de herdá-los de seus irmãos
mais velhos, é algo que, há não muito tempo, era visto como um luxo "dos
ricos". O mesmo ocorreu com o automóvel,
com o computador, com o telefone celular, com o relógio de pulso e com uma
infinidade de outros bens.
Como
disse Gustavo Cerati: "aquilo que para os de cima é excêntrico, para os de baixo
é loucura". Que os mais prósperos ou
criativos busquem adornar suas vidas com luxos não representa nenhuma ameaça
para o resto de nós. Pelo contrário:
representa um sistema de erros e acertos em termos de gostos, cujos resultados
o resto de nós poderá usufruir sem prejuízo.
Após seus fracassos — e acertos —, o resto de nós irá decidir, sem
qualquer prejuízo, se é sensato e de bom gosto adquirir tais bens.
A
humanidade já viveu 5.000 séculos daquilo que Hobbes chamou de "vida curta,
brutal e miserável". Já chegou a hora de
nos darmos ao luxo de desfrutarmos um pouco todas essas coisas que para alguns
são "desnecessárias", mas que melhoram sobremaneira nossa qualidade de vida —
como, por exemplo, o computador (ou o tablet ou o smartphone) em que você está
lendo este artigo.
Fonte:Mises
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