Depois da década de ouro do "CS" no Brasil, não foi só a franquia que veio abaixo
A cada intervalo de alguns anos, aparece na indústria de games uma
obra que quebra as fronteiras entre a população dentro e fora desse
universo de botões e pixels. Em 2011, tivemos “Skyrim”; em 2009, “Angry
Birds”; em 2007, “Wii Sports”, e assim por diante. Em comum, todos esse
títulos aumentaram a base existente de jogadores porque foram capazes de
se costurar na cultura pop de forma chamativa, atraindo tribos e
públicos que normalmente não se interessariam nos jogos do momento. No
Brasil, no entanto, talvez nenhum título tenha tanto peso quanto
“Counter-Strike”.
Criado em 1999 como uma modificação não-oficial de “Half-Life”, o
sucesso do game atingiu proporções mundiais dentro de alguns meses,
superando até mesmo jogos tecnicamente superiores como “Unreal
Tournament” e “Starsiege: Tribes”. A fórmula era simples: de um lado,
policiais, do outro, terroristas, e um playground intrincado para trocar
tiros. As possibilidades técnicas da engine GoldSrc garantiram uma
aparência convincente ao jogo, além de trazer um comportamento da física
cheio de nuances e segredos. Tirados de outros jogos, elementos
recém-criados como headshots, ataques corpo-a-corpo e objetivos de
cenário trouxeram uma jogabilidade com incontáveis possibilidades
criativas. O reconhecimento foi tamanho que o estúdio Valve, criador de
“Half-Life”, apressou-se para comprar os direitos sobre a variação.
Na hora certo, no lugar certo
A ôla de popularidade não passou despercebida pelo Brasil, que então
já via o burburinho de “Goldeneye 007” nas locadoras do país. Marcio
Tadeu, gerente da LAN house Crazy Games, viu essa onda por trás do
balcão: “Essa LAN house já foi cheia, na sexta-feira lotava até as
quatro da manhã”, lembra o gerente, olhando vagamente para várias
fileiras de PCs desocupados. “A gente chegava a fazer campeonato de
‘Counter’ por aqui, o pessoal ficava louco”, completa. O estabelecimento
da zona sul paulista passou de locadora de jogos para LAN house para
capturar a clientela de outros tempos.
Na época, ele estava na crista da onda. Entre 1999 e os primeiros
anos da década de 2000, as decadentes casas de máquinas arcade se viram
gradualmente substituídas por LAN houses, primeiro em quantidade, mais
tarde em pompa. Não foi à toa que essa substituição aconteceu: em um
momento no qual computadores para jogos eram caros demais para a maioria
das pessoas e internet de qualidade ainda estava fora do alcance
doméstico, a possibilidade de unir os dois em um único lugar pareceu
muito mais atrativa que os repetitivos fliperamas. Rendia diversão com
muito menos gasto, também.
Como Tadeu, milhares de empresários viram na virada do século a
oportunidade de lucrar com a febre das LANs. Esses negócios nascentes
foram aumentando em número na mesma velocidade com que jogos para PC
cresciam em popularidade, “Counter-Strike” à frente. Depois de algum
tempo, o jogo desenvolveu uma relação simbiótica com as LAN houses,
alimentando-as com público enquanto dominava seus corações e mentes.
Bastava um investidor juntar algumas máquinas e uma conexão de banda
larga para que uma multidão juvenil aparecesse com o dinheiro da mesada.
Ambientes assim pipocaram nos anos 90, motivados pelos custos de jogar no PC em casa |
Nessa
relação de benefício mútuo, “Counter-Strike” transcendeu de game para
ícone da cultura pop. LAN houses eram uma necessidade da época: com 42%
da população abaixo da linha da pobreza e um cenário de crescente
necessidade da computação, era economicamente inviável para o Brasil
vivenciar a inclusão digital pelo consumo privado. A saída da maior
parte das pessoas foi usar as LAN houses para ver emails e redes
sociais, e nesse contato muitas conheciam o tal “Counter-Strike” rodando
na rede local. Por osmose, o amadurecimento digital brasileiro trouxe
“Counter” como o estandarte de entretenimento nos PCs.
Isso não quer dizer que o jogo não tenha seus méritos, diga-se. Em
primeiríssimo lugar, essa parceria involuntária aconteceu apenas porque
“Counter-Strike” foi um jogo praticamente sem restrições: além de ser
bastante leve para computadores da época, ele permitia todo tipo de
modificação e vinha por um preço baixíssimo. Isso o tornou o candidato
ideal para proliferação num país em desenvolvimento como o Brasil.
Outros fatores reforçaram seu apelo: além da qualidade técnica superior,
“Counter-Strike” se revelou profundo, com potencial para competições
vívidas, e o formato de oito contra oito mostrou-se perfeito para
qualquer LAN house, por menor que fosse. Modificações amadoras,
equipamentos diversos e criação de cenários garantiram que o jogo
permancesse fresco mesmo depois de anos, e o aspecto de trabalho em
equipe se viu potencializado pela convivência cara-a-cara desses clubes
digitais.
O esforço para sobreviver
Depois de uma década dominando as competições digitais, no entanto, é
visível que o tempo cobrou caro a comunidade de jogadores de
“Counter-Strike”. De jogo mais populoso da Internet em 2001, a rede Xfire
o aponta na posição 71 entre os mais jogados ao final de 2012, enquanto
novidades como “League of Legends” e “Call of Duty” cravam as primeiras
colocações. É revelador que a Monkey, maior rede de LAN houses do país,
tenha fechado todas as 60 unidades entre 2008 e 2010: como disse ao R7
o fundador da franquia, Sunami Chun, “o modelo de negócios [baseado na
exploração de jogos em LAN] foi superado” pelo aumento da banda larga
doméstica. Computadores e internet tornaram-se acessíveis para maior
parte da população, soterrando tanto as LAN houses (que sobrevivem com
serviços de escritório) quanto “Counter-Strike” (que acabou asfixiado
por outros lançamentos).
Os esforços de atualização da série de tiro são nobres, mas parecem
não reproduzir o estardalhaço da versão original. “Counter-Strike:
Global Offensive” pode ter sido lançado com tecnologia atual agora em
2012, mas crítica e público
não encontraram motivos para reviver a antiga febre. Muito pelo
contrário: entre os jogadores profissionais da franquia, há uma rixa crescente entre aqueles que preferem as versões antigas do game e aqueles que acompanharam os tempos. E mesmo com toda essa polêmica, “Global Offensive” não consegue uma posição nem mesmo entre os 20 games mais acessados da rede.
As melhorias de "CS: Global Offensive" são expressivas, mas preservam o fundamental |
Ilhado entre
computadores vazios, o atendente Ricardo Saito, também da Crazy Games,
lamenta o estado das coisas - do jogo e do emprego. A decadência da
cultura de “Counter-Strike” se reflete nos equipamentos ultrapassados da
loja, nas cadeiras rasgadas, nos ladrilhos fora de lugar. “O público
varia muito agora, mas nunca chega a ficar lotado”, revela. Questionado
sobre o porquê de seus computadores terem apenas “Counter-Strike” e
“Warcraft III” instalados, responde: “Com todo esse negócio de licenças e
verificação online agora, não vale a pena ficar instalando um monte de
jogos. Se alguém quer, ele pede e a gente coloca, mas fica caro”. Pelo
aspecto desatualizado das máquinas, este parece não ser o único motivo.
Olhando para o que restou das LAN houses em São Paulo, o fenômeno
“Counter-Strike” aparece sob uma nova perspectiva. Como elas, o jogo
teve um papel importante na história cultural brasileira, reforçando a
inclusão de boa parte da população jovem (ou pobre) de sua época e
ampliando o número de pessoas interessadas em jogos online. Com sua
acessibilidade indisputável, ele levou o gênero dos FPSs conectados para
muito além dos entusiastas de “Quake” e “Duke Nukem 3D”, abrindo
caminho para sucessos como “Halo”, “Battlefield 1942” e “Call of Duty 4:
Modern Warfare” em anos posteriores.
A atualização proporcionada por “Global Offensive” será suficiente para manter uma base de fãs ativa e muitos campeonatos internacionais, é verdade. A convivência com peixes maiores, no entanto, é algo que não será revertido. Como as LAN houses, ele talvez seja substituído um dia por coisas mais atrativas ou mais necessárias, talvez criadas pela própria Valve.
A atualização proporcionada por “Global Offensive” será suficiente para manter uma base de fãs ativa e muitos campeonatos internacionais, é verdade. A convivência com peixes maiores, no entanto, é algo que não será revertido. Como as LAN houses, ele talvez seja substituído um dia por coisas mais atrativas ou mais necessárias, talvez criadas pela própria Valve.
Post:Renato Bazan
Fonte:Pop
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