A
noção de que a inflação é um fenômeno nocivo é bastante comum na ciência
econômica. Porém, a maioria dos
livros-texto subestima a extensão desse mal, pois todos eles definem inflação
muito limitadamente como sendo uma duradoura redução no poder de compra do
dinheiro. Ademais, eles prestam escassa
atenção às formas concretas de inflação.
Para compreendermos a natureza destruidora da inflação em sua totalidade,
é necessário termos em mente que ela se origina de uma violação das regras
fundamentais da sociedade.
Inflação
é o que ocorre quando as pessoas aumentam a oferta monetária por meio de
fraude, imposição ou quebra de contrato.
Invariavelmente, ela gera três conseqüências características: (1) ela
beneficia os perpetradores à custa de todos os outros usuários do dinheiro; (2)
ela permite a acumulação de dívidas além do nível que as dívidas poderiam
atingir no livre mercado; e (3) ela reduz o poder de compra do dinheiro para um
nível menor do que aquele que prevaleceria no livre mercado.
Embora
essas três consequências sejam ruins o bastante, as coisas ficam muito piores
quando a inflação é estimulada e promovida pelo estado (inflação por
decreto). A inflação criada pelo governo
é contínua, e, como resultado, podemos observar a formação de instituições e hábitos especificamente criados pela inflação. Assim, a inflação monetária criada
monopolisticamente pelo governo gera uma mácula cultural e espiritual na
sociedade humana. A seguir, vamos
analisar mais detidamente alguns aspectos desse legado.
I. Governo hipercentralizado
A
inflação beneficia o governo que a controla, não apenas em detrimento da
população como um todo, mas também em detrimento de todos os governos
secundários e terciários. É um fato bem
conhecido que os reis europeus, durante a ascensão dos estados-nação nos
séculos XVII e XVIII, esmagaram os principais vestígios de poder
intermediário. As nações democráticas
dos séculos XIX e XX completaram a centralização de poder que havia começado
sob os reis. A força motriz econômica
desse processo foi a inflação, a qual, naquele momento, já estava inteiramente
nas mãos do aparato do poder central.
Mais do que qualquer outra razão econômica, a inflação tornou o estado-nação
irresistível. E, assim, ela contribuiu,
indiretamente ao menos, para a popularidade das ideologias nacionalistas, as
quais no século XX levaram a uma frenética veneração do estado-nação.
A
inflação estimula o crescimento dos governos centrais. Ela permite que esses governos cresçam para
muito além do que poderiam crescer em uma sociedade livre. E ela permite que eles monopolizem determinadas
funções em uma escala que não ocorreria em um ambiente em que o dinheiro fosse
produzido pelo livre mercado. Isso
ocorre à custa de todas as formas de governo intermediário, e, é claro, à custa
da sociedade civil como um todo. A
centralização do poder estimulada pela inflação transforma o cidadão médio cada
vez mais em um átomo socialmente isolado.
Todas as suas relações sociais tornam-se controladas pelo estado
central, o qual também passa a fornecer a maioria dos serviços que antes eram
ofertados por outras entidades sociais, como a família, as igrejas e o governo
local. Ao mesmo tempo, a direção central
do aparato estatal torna-se cada vez mais distante da vida diária de seus
protegidos.
II. O efeito da inflação monetária sobre as
empresas
A
inflação produzida pelo governo gera um impacto profundo sobre as finanças
corporativas. Ela torna os passivos (dívidas)
mais baratos do que seriam em um livre mercado.
Isso estimula empreendedores a financiar suas empreitadas por meio da
obtenção de empréstimos, e não por meio do patrimônio próprio (o capital
trazido à empresa pelos seus proprietários).
Em
um sistema de livre mercado de produção monetária, os bancos concederiam
empréstimos apenas como intermediários financeiros. Isto é, eles poderiam emprestar somente
aquela quantia de dinheiro que eles próprios houvessem poupado ou que outras
pessoas houvessem poupado e emprestado aos bancos. Os bancos obviamente seriam livres para
conceder empréstimos sob os termos (juros, valores, duração) que quisessem;
porém, seria suicídio oferecer termos melhores do que aqueles que seus próprios
depositantes (credores) lhe oferecessem.
Por exemplo, se um banco recebe de um poupador um depósito que rende
juros de 5%, seria irracional emprestar esse dinheiro a 4%. Donde se conclui que, em um livre mercado, um
serviço bancário lucrativo está restrito a limites bastante estreitos, os quais
por sua vez são determinados pelos poupadores.
Não seria possível um banco permanecer no mercado e ao mesmo tempo oferecer termos melhores do que os dos poupadores.
Porém,
o sistema bancário de reservas fracionárias é capaz de fazer justamente isso. Dado que estes bancos podem criar dinheiro a
um custo virtualmente zero, eles podem conceder empréstimos a taxas que são
menores do que aquelas que prevaleceriam de outro modo. E, desse modo, os beneficiários irão
financiar por meio do endividamento alguns empreendimentos que eles de outra
forma teriam financiado com seu próprio dinheiro, ou que eles sequer teriam empreendido.
É
óbvio que serão poucas as empresas capazes de resistir a tais ofertas. A concorrência é feroz na maioria dos setores
econômicos, e as empresas têm de aproveitar as melhores ofertas disponíveis,
caso contrário elas perderão aquela "vantagem competitiva" que pode ser
decisiva para os lucros e também para sua mera sobrevivência. A inflação monetária torna as empresas mais
dependentes dos bancos do que elas seriam caso contrário. Ela cria um maior poder de decisão central e
uma maior hierarquia do que existiria no livre mercado. O empreendedor que opera com 10% de capital
próprio e 90% de dívida já deixou de ser um empreendedor genuíno. Seus credores (normalmente bancos) são os
verdadeiros empreendedores que tomam todas as decisões essenciais. Ele foi transformado em um relativamente bem
pago executivo — um gerente.
Desta
forma, a inflação monetária reduz o número de empreendedores genuínos — homens
independentes que operam com seu próprio dinheiro. Tais homens ainda existem em uma quantidade
incrivelmente alta, mas eles somente conseguem sobreviver porque seu talento
superior é comparável à situação financeira inferior com a qual eles têm de
lidar. Eles precisam ser mais inovadores
e trabalhar mais que seus concorrentes.
Eles sabem o preço da independência e estão dispostos a pagá-lo. Normalmente eles são mais apegados aos
negócios da família e se importam mais com seus empregados do que os outros
fantoches dos banqueiros.
Dado
que o crédito fácil decorrente da inflação monetária possibilita uma grande
vantagem financeira, ele acaba por estimular comportamentos imprudentes da
parte dos executivos das empresas. Isso
é principalmente válido para os gerentes de grandes empresas que possuem acesso
fácil ao mercado de capitais. Sua
imprudência é frequentemente confundida com criatividade e inovação.
O
economista Joseph Schumpeter memoravelmente caracterizou o sistema bancário de
reservas fracionárias como sendo um tipo de força impulsora do desenvolvimento
econômico inovador, uma vez que ele fornece dinheiro adicional para
empreendedores com grandes ideias.
É
concebível imaginar que em alguns casos esse sistema tenha tido esse papel,
porém as chances estão majoritariamente do outro lado. Como regra geral, qualquer produto novo e
qualquer profunda inovação nas organizações empreendedoriais representam uma
ameaça aos bancos, pois estes já estão expressivamente investidos em empresas
já estabelecidas, as quais produzem os produtos de sempre e utilizam as velhas
formas de organização. Eles têm,
portanto, todos os incentivos para impedir qualquer inovação — recusando-se a
financiá-la — ou para espalhar essas novas ideias aos seus parceiros no mundo
corporativo.
Assim,
o sistema bancário de reservas fracionárias torna os negócios mais
conservadores do que seriam caso contrário.
Ele beneficia as empresas já estabelecidas à custa de inovadores
recém-chegados. É muito mais provável
que um projeto inovador venha de empreendedores independentes, principalmente
se a tributação da renda for baixa.
III. O jugo da dívida
Algumas
das considerações acima também são válidas fora do mundo empreendedorial. A inflação monetária possibilita crédito
fácil não apenas para governos e empresas, mas também para indivíduos. O simples fato de que tais créditos são
oferecidos já é o suficiente para incitar algumas pessoas a se endividarem,
algo que não fariam normalmente. Porém,
o crédito fácil torna-se praticamente irresistível quando vem acoplado a outra
típica consequência da inflação monetária: o aumento constante dos preços. Ao passo em que nos tempos passados um
aumento dos preços era algo dificilmente perceptível, nos dias atuais todos os
cidadãos do mundo ocidental já se acostumaram a esse fenômeno. Em países como Turquia e Brasil, onde o
aumento de preços já chegou a taxas anuais de 80 a 100%, mesmo as pessoas mais
jovens já chegaram a vivenciá-lo pessoalmente.
Tais
condições impõem uma penalidade severa sobre a poupança mantida em
espécie. Antigamente, a poupança era
tipicamente feita na forma do entesouramento de moedas de ouro e prata. É verdade que tal ato de entesouramento não
propiciava nenhuma receita — o metal era "estéril" — e que quem praticava tal
ato não podia ser considerado um rentista. Porém, em todos os outros aspectos, o
entesouramento do dinheiro era uma forma confiável e efetiva de poupança. O poder de compra da moeda não se evaporava
em poucas décadas, e em épocas de crescimento econômico ela até mesmo ganhava poder de compra.
Mais
importante ainda, elas eram extremamente adequadas para as pessoas comuns. Carpinteiros, pedreiros, alfaiates e
agricultores normalmente não são observadores muito astutos do mercado
internacional de capitais. Colocar
algumas moedas de ouro debaixo do travesseiro ou dentro de um cofre foi um ato
que lhes poupou várias noites de insônia, e os deixaram independentes de
intermediários financeiros.
Agora
compare esse cenário antigo com nossa atual situação. O contraste não poderia ser mais
absoluto. Seria algo completamente
inútil guardar cédulas de dinheiro em casa, visando à aposentadoria. Um homem com seus 30 anos de idade, que
esteja planejando se aposentar daqui a 30 anos, precisa levar em conta uma
depreciação monetária na ordem de 3 a 5% ao ano. Isto é, ele precisa poupar de 3 a 5 unidades
monetárias hoje para poder ter o poder de compra de uma unidade atual quando
ele se aposentar. E isso sendo bastante
otimista.
Disso
se conclui que a estratégia racional de poupança para ele seria se endividar
com o intuito de comprar ativos cujos preços aumentariam com a inflação. Isso é exatamente o que ocorre hoje na
maioria dos países ocidentais. Tão logo
as pessoas arrumam um emprego e, com isso, uma fonte de renda parcialmente
estável, eles se endividam para comprar uma casa — ao passo que seus avôs
ainda seguiam a rotina de primeiro acumular poupança durante trinta anos para
só então comprar seu primeiro imóvel com dinheiro próprio. Desnecessário dizer que este último sempre
foi o procedimento cristão. Não carta de
São Paulo aos Romanos (13:8), lemos: "A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a
não ser o amor recíproco; porque aquele que ama o seu próximo cumpriu toda a
lei."
As
coisas não são muito melhores para aqueles que já acumularam alguma
riqueza. É verdade que a inflação não os
obriga a se endividar; porém, em todo caso, ela os priva da possibilidade de
manter suas poupanças em dinheiro. Os
idosos que vivem de pensões, as viúvas e os tutores de órfãos precisam investir
seu dinheiro no mercado financeiro, pois, caso contrário, seu poder de compra
irá se perder diariamente. Assim, eles
se tornam dependentes dos intermediadores financeiros e, consequentemente, do
comportamento dos preços das ações e dos títulos.
Com
tudo isso, torna-se claro que tal situação é amplamente favorável para aqueles
que ganham a vida no mercado financeiro.
Corretores, analistas, bancos, empresas hipotecárias e outros "players"
têm motivos para ser gratos a esse constante declínio do poder de compra do
dinheiro sob um ambiente de inflação monetária.
Porém, seria tal arranjo também benéfico para o cidadão comum? De certa forma, suas dívidas e seu maior
investimento no mercado financeiro são benéficos para ele, dado nosso atual regime inflacionário.
Quando
o aumento no nível de preços é perene, a dívida privada é para ele a melhor
estratégia disponível. Porém, é claro,
isso significa que, não fosse o intervencionismo governamental no sistema monetário,
outras estratégias seriam superiores. A
existência de bancos centrais e de dinheiro de papel faz com que as estratégias
financeiras baseadas no endividamento sejam mais atrativas do que estratégias
baseadas no acúmulo de poupança própria.
Não
é exagero dizer que, por meio de sua política monetária, os governos ocidentais
empurraram seus cidadãos para uma situação de dependência financeira
completamente desconhecida para as gerações anteriores. Já em 1931, o papa Pio XI declarou:
É algo manifesto como, nos nossos tempos, não só se concentram riquezas, mas também acumula-se um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, os quais administram de acordo com seu próprio prazer e vontade arbitrária.
Este despotismo vem sendo exercido mais impetuosamente por aqueles que, tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e manipulam de tal maneira a alma da mesma, que ninguém pode respirar sem sua licença.[1]
É
de se imaginar que vocabulário Pio XI teria utilizado para descrever nossa
atual situação. A justificativa corrente
para o atual arranjo monetário é que ele supostamente estimula o
desenvolvimento industrial. O dinheiro
que antigamente era entesourado não era apenas estéril, segundo tal teoria; era
na realidade algo prejudicial do ponto de vista econômico, pois tal atitude privava
as empresas dos meios de pagamento necessários para os investimentos. Sendo assim, a função da inflação monetária
seria a de fornecer tais meios.
Entretanto,
o entesouramento do dinheiro não possui nenhuma implicação macroeconômica
negativa. Tal atitude definitivamente
não reprime os investimentos industriais.
O entesouramento aumenta o poder de compra do dinheiro e,
consequentemente, dá um maior "peso" às unidades monetárias que permanecem em
circulação. Todos os bens e serviços
continuam podendo ser comprados, e todos os investimentos viáveis podem ser
feitos com as unidades monetárias remanescentes. O fato fundamental e inegável é que a
inflação monetária não faz surgir nenhum recurso adicional. O fato de você imprimir dinheiro não faz com
que novos bens apareçam. A inflação
meramente provoca uma alteração na alocação dos recursos já existentes. Estes deixam de ir para empresas geridas por
empreendedores que operam com seu próprio dinheiro, sendo desviados para
aquelas empresas financiadas com fartos créditos bancários.
O
efeito líquido do recente surto de endividamento pessoal é, portanto, o
de
jogar populações inteiras na dependência financeira. As implicações
morais são claras. O acúmulo de dívidas é incompatível com a
independência financeira, e isso tende a enfraquecer a autossuficiência
em
todas as outras esferas. O indivíduo
oprimido por dívidas acaba, no final, adotando o hábito de recorrer a
terceiros
em busca de ajuda, ao invés de se tornar uma âncora econômica e moral
para sua
família e para todas as pessoas que o cercam.
A sobriedade e a independência de julgamento são substituídas pela
submissão e pela auto-ilusão.
E
quando, como ocorre em muitos casos, as famílias não mais conseguem arcar com
todo seu endividamento? O resultado é o
desespero — ou, ao contrário, o desprezo por todos os padrões de sanidade
financeira.
IV. Alguns ferimentos espirituais
provocados pela inflação monetária
A
inflação monetária reduz constantemente o poder de compra do dinheiro. Em algum grau, é possível para as pessoas
protegerem sua poupança contra esse fenômeno, mas isso requer um completo
conhecimento de estratégias financeiras, tempo disponível para supervisionar
constantemente seus investimentos e uma boa dose de sorte. As pessoas que não possuem um desses
ingredientes irão provavelmente perder uma parte substancial de seus
ativos. A poupança de toda uma vida
normalmente desaparece por completo durante os primeiros anos da
aposentadoria. A consequência é o
desespero e a erradicação dos padrões morais e sociais. Porém, seria errado inferir que a inflação
produz esse efeito principalmente nos mais idosos. Como observou Thomas Woods:
Esses efeitos são "especialmente fortes entre os jovens. Eles aprendem a viver pensando apenas no presente e desdenham daqueles que tentam ensiná-los 'coisas antiquadas como moralidade e parcimônia.' A inflação, desta forma, estimula uma mentalidade de gratificação imediata que está em completo desacordo com a disciplina e a eterna perspectiva requeridas para se exercer os princípios da intendência bíblica — como investimentos de longo prazo para o benefício de gerações futuras."[2]
Mesmo
aqueles cidadãos abençoados com o conhecimento, o tempo e a sorte para proteger
o capital de sua poupança não são capazes de se esquivar dos impactos
perniciosos da inflação, pois eles têm de adotar hábitos que estão em desacordo
com a saúde moral e espiritual. A
inflação os obriga a gastar muito mais tempo pensando no seu dinheiro do que
seria necessário na ausência dela. Como
já dito, a maneira antiga de os cidadãos comuns pouparam era acumulando
dinheiro dentro de casa. Sob um ambiente
de inflação monetária como o atual, essa estratégia é suicida. Eles precisam investir em ativos cujos
valores crescem com a inflação; e a maneira mais prática de se fazer isso é
comprando ações e títulos. Porém, isso
demanda várias horas dedicadas ao estudo, à comparação e à seleção dos papeis
adequados. E isso os obriga a estarem
sempre vigilantes e preocupados com seu dinheiro, para o resto de suas
vidas. Eles precisam estar sempre
seguindo o noticiário financeiro e monitorando os preços das ações no mercado
financeiro.
Similarmente,
as pessoas tenderão a prolongar a fase de suas vidas na qual elas se esforçam
para ganhar dinheiro. E, ao escolher
suas profissões, elas darão uma ênfase relativamente maior nos retornos
monetários do que em qualquer outro critério.
Por exemplo, alguns daqueles que teriam maior propensão à jardinagem
irão abandonar essa vocação e procurar um emprego industrial, pois este oferece
maiores retornos financeiros no longo prazo.
E mais pessoas irão aceitar empregos distantes de suas casas apenas pelo
fato de estes permitirem a elas ganharem um dinheiro extra — algo que não
ocorreria com tanta frequência em um sistema monetário natural.
A
dimensão espiritual desses hábitos induzidos pela inflação parece ser
óbvia. Questões monetárias e financeiras
passam a ter um papel exagerado na vida de um homem. A inflação torna a
sociedade materialista. As pessoas cada vez mais se esforçam para
obter dinheiro à custa da felicidade pessoal.
A mobilidade geográfica induzida pela inflação enfraquece
artificialmente os laços familiares.
Muitos daqueles que tendem a ser gananciosos, invejosos e mesquinhos
tornam-se vítimas do pecado. Mesmo
aqueles que não possuem tal propensão serão expostos a tentações que não
sentiriam caso contrário. E como os
caprichos do mercado financeiro também fornecem uma desculpa perfeita
para o
uso excessivamente sovina do dinheiro, doações para instituições de
caridade
tendem a declinar.
E
há o fato de que a inflação perene tende a deteriorar a qualidade dos
produtos. Todo vendedor sabe que é
difícil vender o mesmo produto físico a um preço maior do que aquele vigente
nos anos anteriores. Porém, aumentos nos
preços são inevitáveis quando a oferta monetária está em crescimento
contínuo. Sendo assim, o que os
vendedores fazem? Em muitos casos, a
salvação vem por meio da inovação tecnológica, a qual permite um modo de
produção mais barato do produto, desta forma neutralizando ou até mesmo
compensando em demasia a influência da inflação. Isso ocorre, por exemplo, na indústria de
computadores e de equipamentos construídos com uma grande quantidade de insumos
de tecnologia da informação.
Porém,
em outras indústrias, o progresso tecnológico possui um papel muito menor. Aqui, os vendedores lidam com o problema
acima mencionado. Consequentemente, eles
fabricam um produto de qualidade inferior e o vendem com o mesmo nome, junto
com os eufemismos que se tornaram costumeiros no marketing comercial. Por exemplo, eles podem ofertar aos seus
consumidores café "light" e vegetais "não condimentados" — o que pode ser
traduzido como café ralo e vegetais que já perderam todos os resquícios de
sabor. Deteriorações similares podem ser
observadas na indústria de construção civil.
Países flagelados pela inflação parecem ter sempre uma maior proporção
de casas e ruas em constante necessidade de reparos.
Em
ambientes assim, as pessoas desenvolvem uma atitude mais desleixada em relação
às palavras que utilizam. Se tudo realmente
for aquilo de que passou a ser chamado, então é difícil explicar a diferença
entre verdade e mentira. A inflação
incita as pessoas a mentirem sobre seus produtos, e a inflação perene estimula
o hábito de mentir rotineiramente. Este
autor já argumentou em outros trabalhos que as mentiras rotineiras possuem um
papel importante no sistema bancário de reservas fracionárias, a instituição
fundamental do sistema monetário inflacionário.
A inflação monetária parece difundir esse hábito como um câncer para
todo o resto da economia.
V. Sufocando a chama
Na
maioria dos países, o crescimento do estado assistencialista tem sido
financiado por meio do acúmulo da dívida pública em uma escala que seria impensável
sem o advento do dinheiro de papel. Uma
rápida olhada no histórico mostra que o crescimento exponencial do estado
assistencialista, que na Europa começou no início da década de 1970, progrediu
pari passu com a explosão da dívida pública.
É amplamente sabido que tal acontecimento tem sido um grande fator no
declínio da família. Porém, é
normalmente negligenciado o fato de que a principal causa desse declínio é a
inflação monetária. De maneira lenta,
porém resoluta, a inflação perene destroi a família.
O
assistencialismo tem sido a ferramenta preferida do estado para destruir a
moral e as normas familiares.
Atualmente, o estado assistencialista fornece um grande número de
serviços que, em outras épocas, eram fornecidos pelas próprias famílias (e os
quais, podemos supor, ainda continuariam sendo ofertados em grande parte pelas
famílias caso o estado assistencialista deixasse de existir). A educação dos mais novos, o cuidado com os
idosos e enfermos, a assistência em épocas de emergência — todos esses
serviços são hoje efetivamente "terceirizados" para o estado. As famílias foram reduzidas a pequenas
unidades de produção que compartilham as contas de luz, os carros, as
geladeiras e, é claro, os tributos. O
estado assistencialista financiado pelos impostos oferece-lhes, em troca,
educação e saúde.
De
um ponto de vista econômico, esse arranjo é um total desperdício de
dinheiro. O fato é que o estado
assistencialista é ineficiente; ele fornece serviços comparativamente ruins a custos
comparativamente maiores. Não precisamos
nos estender muito fazendo comentários sobre a incapacidade das agências
estatais em oferecer o tipo de assistência emocional e espiritual que emerge
apenas da caridade. A compaixão não pode
ser comprada. Porém, o estado
assistencialista também é ineficiente em termos puramente econômicos. Ele opera por meio de grandes burocracias e
é, desta forma, responsável pela falta de incentivos e critérios econômicos que
impedem o desperdício de dinheiro. Nas
palavras do papa João Paulo II:
Ao intervir diretamente e privando a sociedade de sua responsabilidade, o estado assistencialista provoca a perda de energias humanas e um aumento exagerado das agências estatais, as quais são dominadas mais por lógicas burocráticas do que pela preocupação em servir os usuários, fazendo com que haja um acréscimo enorme das despesas. Com efeito, parece conhecer melhor as necessidades e ser mais capaz de satisfazê-las quem está mais próximo dos necessitados. Adicionalmente, vale ressaltar que certos tipos de necessidades requerem respostas que não sejam apenas materiais, mas que sejam capazes de compreender a mais profunda necessidade humana.[3]
Todos
sabem disso por experiência prática, e vários estudos científicos chegam à
mesma conclusão. É exatamente pelo fato
de o estado assistencialista ser um arranjo econômico ineficiente, que ele
depende exclusivamente de impostos. Se o
estado assistencialista tivesse de concorrer com as famílias em termos iguais,
ele jamais duraria muito tempo. Ele só
expulsou do "mercado assistencial" a família e as caridades privadas porque as
pessoas são obrigadas a pagar por ele de um jeito ou de outro. Elas são obrigadas a pagar impostos, e elas
não podem impedir o governo de se endividar cada vez mais — medida essa que
absorve o capital que de outra forma seria utilizado para a produção de bens e
serviços distintos.
O
excessivo tamanho do estado assistencialista dos dias atuais representa um
ataque total e direto à moral cristã.
Mas ele também enfraquece essa moral por vias indiretas, a mais notável
dela sendo o subsídio de maus
exemplos morais. O fato é que alguns
"estilos de vida" alternativos carregam consigo grandes riscos econômicos,
tendendo portanto a serem mais custosos que os tradicionais arranjos
familiares. O estado assistencialista
socializa os custos de tais comportamentos, dando-lhes uma proeminência muito
maior do que teriam em uma sociedade livre.
Em vez de gerar uma penalidade econômica, o assistencialismo pode na verdade
prover vantagens econômicas aos seus recebedores, pois ele os dispensa dos
custos da vida familiar (por exemplo, os custos associados à criação de
filhos). Com o sustento do estado
assistencialista, os assistidos podem então fazer escárnio da moral
conservadora, rotulando-a como sendo algum tipo de superstição que não tem
nenhum impacto na vida real. A dimensão
espiritual parece clara: o estado assistencialista sistematicamente expõe as
pessoas à tentação de acreditarem que não existe absolutamente nenhum preceito
moral que já foi testado e aprovado pelo tempo.
Permita-me
enfatizar aqui que o objetivo das observações anteriores não foi atacar os
serviços assistencialistas, os quais são na verdade um componente essencial das
sociedades cristãs. Antes, o ponto é que
a inflação monetária destrói o controle democrático sobre a oferta desses
serviços; que isso invariavelmente leva a um crescimento excessivo do estado
assistencialista e a várias formas de assistencialismo; e que isso, por sua
vez, não é algo inócuo ao caráter moral e espiritual da população.
As
considerações acima não são de maneira alguma um relato completo e profundo do
legado cultural e espiritual da inflação monetária. Porém, elas devem ser suficientes para
comprovar o ponto principal: a inflação monetária é uma usina geradora de
destruição social, econômica, cultural e espiritual.
Fonte:Mises
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