Qual
é a diferença mais notável entre o funcionamento do governo e o da
economia de mercado? Ludwig von Mises nos forneceu uma resposta
surpreendente, uma resposta que ele explicou em detalhes em seu
sensacional livro Liberalismo - Segundo a Tradição Clássica, publicado no longínquo ano de 1927. Mises disse que a diferença toda estava na contabilidade, isto é, no cálculo de custos.
Dentro das burocracias não-comerciais do governo, tudo é um jogo de
adivinhação. Você não sabe exatamente o quanto deve gastar em quê; você
não sabe se há algum objetivo racional naquilo que você está fazendo;
você não sabe se este ou aquele plano será bem-sucedido ou se irá
fracassar completamente; você não sabe onde cortar gastos caso tenha de
fazê-lo; e você não sabe quais seções e quais pessoas estão fazendo um
bom trabalho e quais não estão. O setor público é um setor que,
inevitavelmente, por pura lógica econômica, sempre funciona às escuras,
sem ter a mínima ideia do que faz, e sempre tendo de fingir que está
fazendo tudo certo.
Por quê? Porque o governo não opera de acordo com os sinais de
preços emitidos pelo mercado. Ele não opera segundo a lógica do sistema
de lucros e prejuízos. Como ele não tem acesso aos sinais de preços,
ele não é capaz de calcular lucros e prejuízos. Por conseguinte, ele
não tem uma bússola que possa guiá-lo em suas ações. Ele não tem como
avaliar e estimar a real valia econômica de qualquer coisa que faça.
Seus investimentos nunca poderão ser feitos da maneira correta, seus
serviços nunca serão prestados de maneira satisfatória, sempre haverá
desperdício de recursos e gritante ineficiência. Esta é uma realidade
inevitável. Não se trata de ideologia; é pura ciência econômica.
Por não ter esta racionalidade, as burocracias estatais sempre acabam
seguindo os caprichos do governo do momento, preocupadas exclusivamente
em satisfazer as demandas de políticos que visam apenas sua
autopromoção e sua reeleição. Consequentemente, as burocracias estatais
sempre estarão sob os auspícios de uma gente cujo horizonte temporal é
de no máximo quatro anos, e inevitavelmente se transformarão em fábricas
de desperdício, ineficiência, confusão e ressentimento.
Já nas empresas privadas que operam em ambiente de livre concorrência
a situação é diferente. No mundo do comércio, os sinais de preços
emitidos pelo mercado comandam as decisões. O sistema de lucros e
prejuízos mostra como os recursos escassos estão sendo empregados. Se
corretamente, os consumidores recompensam as empresas propiciando-lhes
grandes lucros; se erroneamente, os consumidores punem as empresas
impondo-lhes prejuízos. Uma expansão ou um corte nos investimentos é
algo que será guiado pelo balancete das empresas. Os empregados são
produtores que são valorados, e não explorados. Não interessa se a
empresa é grande ou micro: ela estará sempre em busca da lucratividade.
E a lucratividade sempre será, em última instância, determinada pela
decisão voluntária dos consumidores.
Para ver como algo aparentemente simples possui ramificações muito
mais complexas do que se poderia imaginar a princípio, peguemos o
exemplo de um restaurante chique. A estrutura de produção deste
restaurante não se resume apenas à coordenação entre os garçons e a
cozinha. É necessário haver uma administração voltada exclusivamente
para o controle dos estoques de todos os alimentos e de todas as
bebidas. Como não é possível saber com antecedência o que os clientes
irão ordenar de seu variado menu, o estoque de alimentos e bebidas tem
de ser vasto e plenamente adaptável às súbitas alterações de gosto e
interesse de seus clientes. Tal controle de estoque não seria possível
de ser planejado sem preços de mercado, sem a contabilidade e sem o
sistema de lucros e prejuízos.
Além da coordenação entre os chefs e os cozinheiros, e entre os
cozinheiros e os garçons, a estrutura de produção deste restaurante se
estende para muito além de suas paredes. A comida tem de vir de todos
os cantos do mundo. Diversos meios de transporte têm de ser utilizados
para fazer com que a comida chegue ao estabelecimento. Mas não é
possível servir comidas e bebidas se não houver agricultura, criação de
gado e plantio de ervas e temperos em lugares remotos do mundo. E a
coordenação não pára por aí. Ela ainda volta no tempo — décadas e às
vezes até séculos — para as primeiras sementes plantadas nos vinhedos
que produziram os vinhos, e os primeiros centeios que produziram os
uísques e as demais bebidas servidas no restaurante. E a tecnologia que
possibilita tudo isso é relativamente nova, desde a refrigeração até a
comunicação digital entre a cozinha e o maître. Nada disso seria
possível sem o sistema de preços, que permite a contabilidade de custos e
determina se há ou não lucratividade em qualquer uma das etapas
envolvidas neste processo.
Este mecanismo extraordinariamente complexo — muito mais complicado
do que qualquer operação já tentada por qualquer burocracia estatal —
tem de funcionar harmoniosamente para todos os clientes que aparecerem
no restaurante em qualquer momento. E se ninguém aparecer? Se isso
acontecer com muita frequência, todo o investimento entra em colapso.
Todo o planejamento, todos os gastos, todas as habilidades envolvidas se
revelarão um grande desperdício. O mercado enviou seu sinal: o
empreendimento não estava empregando recursos escassos da maneira mais
eficiente possível. O que determina se este empreendimento será pujante
e lucrativo ou se ele desaparecerá rapidamente é simplesmente a decisão
do consumidor de comer lá ou não. Não há ninguém apontando armas para
ninguém, não há coerção, não há chantagem. Há apenas um empreendimento
implorando para poder servir seus clientes.
Se você propusesse a criação de algo assim para uma pessoa que jamais
houvesse visto algo parecido em operação, ela nunca iria acreditar que
tal coisa pudesse funcionar. Muito menos existir.
É por tudo isso, escreveu Mises, que o cálculo monetário e a
contabilidade de custos constituem as mais importantes ferramentas
intelectuais do empreendedor capitalista. Mises celebrou a famosa
declaração de Goethe, que havia dito que o método contábil das partidas
dobradas foi "uma das mais admiráveis invenções da mente humana."
Uma vez vislumbrado todo este processo, fica fácil entender por que
vivenciamos recorrentemente o fenômeno dos ciclos econômicos. Fica mais
fácil entender por que empresas privadas muitas vezes parecem fazer
coisas tão insensatas e imprudentes quanto o governo; por que elas
também tomam decisões irracionais; por que elas também produzem
burocracias; por que elas também seguem o capricho de políticos; por que
elas também passam por ciclos de expansão e contração.
Mises
explicou isso, neste mesmo livro. A causa de tudo é aquilo que ele
chamou de intervencionismo. Quanto mais o governo regula, intromete,
tributa, erige barreiras, produz inflação, confisca, proíbe e todo o
resto, mais a iniciativa privada se torna sujeita à mesma
irracionalidade que permanentemente assola o governo. As intervenções
do governo no mercado, por menores que aparentemente sejam, provocam
distúrbios no sistema de preços, afetando toda a contabilidade de custos
das empresas.
As intervenções estatais podem tanto fazer com que empreendimentos insustentáveis repentinamente aparentem ser lucrativos (sem que realmente o sejam), como também pode fazer com que empreendimentos genuinamente lucrativos se tornem rapidamente insolventes. O governo expande até a iniciativa privada os mesmos males que o acometem. A descrição feita por Mises em 1927 é interpretada hoje como se ele estivesse de posse de alguma bola de cristal. Tudo se torna mais claro assim que você passa a ver o mundo da mesma maneira que ele. Basta analisar a realidade atual.
As intervenções estatais podem tanto fazer com que empreendimentos insustentáveis repentinamente aparentem ser lucrativos (sem que realmente o sejam), como também pode fazer com que empreendimentos genuinamente lucrativos se tornem rapidamente insolventes. O governo expande até a iniciativa privada os mesmos males que o acometem. A descrição feita por Mises em 1927 é interpretada hoje como se ele estivesse de posse de alguma bola de cristal. Tudo se torna mais claro assim que você passa a ver o mundo da mesma maneira que ele. Basta analisar a realidade atual.
Oito anos atrás, estimulados pela expansão artificial do crédito
feita por seus respectivos bancos centrais, os mercados imobiliários da Europa e dos EUA
estavam a pleno vapor, com preços e lucros em contínua ascensão, o que
gerava vários milionários por minuto. Parecia que o mundo havia entrado
em uma nova era de prosperidade e de riqueza infinita para todos. E
então, da noite para o dia, tudo ruiu. Depois de cinco anos, ainda há
cadáveres por todos os lados. Várias empresas quebradas, bancos zumbis
com seus balancetes contaminados e as economias totalmente letárgicas.
Os governos e os bancos centrais ao redor do mundo estão hoje
completamente perdidos. Praticamente todas as semanas, um figurão do
alto escalão de algum governo ou banco central vem a público anunciar
uma nova medida intervencionista, e sempre termina seu anúncio dizendo
que "agora vai!". E tudo só piora. E quase ninguém entende por quê.
O desconhecimento das obras de Mises é algo que continuará afetando
nossa prosperidade e nosso bem-estar muito mais do que você pode
imaginar.
Fonte:Mises
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