A
maioria de nós conhece pelo menos um mito sobre gatos. Talvez tenha a
ver com a largura de seus bigodes ou com a lenda de que aqueles que são
totalmente pretos dão azar. A maioria destes mitos não passam de
conversa para boi dormir, como se diz no interior. Porém, o fenômeno
conhecido como “clipnosis” é real.
Para
aqueles não familiarizados com o termo, “clipnosis” refere-se ao
fenômeno pelo qual um gato se torna de repente imóvel por causa de um
aperto suave da pele solta na parte de trás do seu pescoço. É um pouco
como aquele gesto de os segurar pela nuca, apenas mais suave – mas nós
vamos chegar a isso em um segundo.
É
fácil ser cético quando se ouve falar em clipnosis. A própria palavra é
uma junção que faz referência direta a hipnose – um termo que não
costuma ter a melhor das aceitações – e de clipes – isso mesmo, aqueles
usados para segurar grandes maços de papel. A expressão “hipnose animal”
às vezes é usada para descrever uma variedade de comportamentos de
imobilidade desencadeados por uma série de estímulos. Apesar disso, o
uso da frase é problemático por ser comprovadamente impossível
hipnotizar, de fato, animais, que entrariam apenas em um estado
catatônico.
Mesmo
assim, uma pesquisa procurou explorar o fenômeno da clipnosis
empiricamente. Liderado por Tony Buffington, professor de Ciências
Clínicas Veterinárias da Universidade Estadual de Ohio (EUA), o estudo
examinou a eficácia da clipnosis, colocando clipes padrões de
encadernação medindo 5 centímetros ao longo da pele do pescoço de 31
gatos. Felizmente, Buffington e seus colegas se referem ao fenômeno não
como “clipnosis”, mas como “inibição comportamental induzida por
beliscão”, ou “PIBI” (do inglês, “pinch-induced behavioral inhibition”).
“PIBI
é apenas uma descrição muito clara de exatamente o que é”, explicou
Buffington. Além de descrever o método utilizado e a resposta obtida, o
cientista ressalta que essa sigla também evita “o mais antropomórfico
termo ‘hipnose’”, ao mesmo tempo que diferencia da ação de segurar os
felinos pela nuca. Chamado de “scruffing”, o hábito é mais intenso e,
afirma Buffington, controverso de tratar estes animais. “A PIBI é
realmente uma forma muito mais suave do scruffing”, conta.
Apenas
um dos gatos do estudo de Buffington não mostrou uma resposta positiva
aos prendedores de papel. Entendamos uma resposta “positiva” por aquela
em que o gato se torna passivo, sua coluna se curva e sua cauda mergulha
entre as pernas.
Outras
observações levaram Buffington e seus colegas a concluir que a PIBI não
é nem um medo nem uma resposta à dor. As pupilas dos gatos não
dilataram – uma resposta fisiológica vista frequentemente em animais
amedrontados -, seus batimentos cardíacos não aumentaram e sua
respiração não acelerou. Os gatos também se mantiveram sensíveis, em
contraste com o que é chamado de “imobilidade tônica”, em que o animal
congela e se torna totalmente indiferente diante de estímulos altamente
ameaçadores. No final, Buffington e seus colegas concluíram que a
resposta fisiológica vista com a PIBI provavelmente é uma evolução para
tornar mais fácil para as gatas mamães transportarem seus gatinhos.
A
hipótese do transporte materno sugerida por Buffington e seus colegas
reproduz a de outros pesquisadores que estudam a imobilização dos
animais. Na verdade, respostas fisiológicas semelhantes à PIBI têm sido
observadas em vários animais, incluindo camundongos, ratos, coelhos,
cães e porcos-da-índia. Ao fazer uma busca no Google Scholar, que reúne
trabalhos acadêmicos, por “imobilidade dorsal” ou “imobilidade no
transporte”, podem ser consultados cerca de 200 estudos datando de
várias décadas que investigaram este e fenômenos semelhantes em um
animal ou outro, muitos dos quais fazem referência direta à hipótese do
transporte materno.
Em
contraste, pouco tem sido dito sobre o porquê de este método de
imobilização ser tão eficaz – fisiologicamente, no caso. “Uma das razões
pelas quais decidimos chamar a resposta de ‘inibição comportamental
induzida por beliscão’, é que [esta descrição] não assume um mecanismo”,
esclarece Buffington. Em outras palavras, a “PIBI” não pretende
oferecer uma explicação sobre a razão do beliscão induzir a inibição
comportamental, só afirma que ele o faz.
No
início deste ano, no entanto, houve um grande avanço. Em um artigo
publicado na edição de maio da “Current Biology”, os pesquisadores
liderados pelo neurocientista japonês e pesquisador do Instituto do
Cérebro Riken, Kumi Kuroda, realizaram um estudo que comparou uma ampla
gama de respostas fisiológicas ao transporte materno em filhotes não
apenas de camundongos, mas também humanos. Surpreendentemente, a equipe
de Kuroda constatou que, em ambas as espécies, o ato de uma mãe carregar
sua cria leva quase que imediatamente a três respostas muito
semelhantes na criança: a cessação do choro, a passividade e uma
diminuição na frequência cardíaca.
Essa
descoberta inter-espécies foi impressionante por si só, contudo o
estudo também forneceu alguns insights sobre os mecanismos neurais de
efeitos calmantes do transporte materno. Com ratos, a equipe foi capaz
de investigar os mecanismos subjacentes em experiências que não poderiam
ser feitas com os bebês humanos. Eles aplicaram uma anestesia local no
pescoços dos filhotes e bloquearam quimicamente sinais neurais
produzidos por movimento. Privar os filhotes desses insumos sensoriais
inibiu o efeito calmante de ser transportado. A remoção cirúrgica de
partes do cérebro e testes de ratos com anomalias neurais permitiu à
equipe acompanhar a adoção de uma postura compacta para o córtex
cerebelar, que, não surpreendentemente, acredita-se que esteja envolvido
no controle da postura e do equilíbrio. E eles descobriram que levou
mais tempo para as mães ratas resgatarem os filhotes que haviam sido
anestesiados, de modo que eles não poderiam se enroscar, ou drogados, de
modo que não se tornaram passivos. Um recém-nascido passivo, quieto e
compacto seria mais fácil para uma mãe levar para longe do perigo.
Além
do mais, visando quimicamente os sistemas nervoso simpático e
parassimpático dos filhotes de rato, os pesquisadores foram capazes de
mostrar que interromper o último inibiu a diminuição da frequência
cardíaca induzida pelo transporte observada em filhotes normais,
permitindo que eles sejam imobilizados.
O
resultado? A resposta calmante provocada por beliscar a nuca de um rato
é possível graças à regulação coordenada de vários sistemas
fisiológicos, incluindo a sensação tátil, propriocepção e múltiplos
caminhos do sistema nervoso central.
Mas
talvez a descoberta mais importante, no contexto da discussão sobre a
PIBI, tem a ver com as semelhanças entre o transporte de bebês de seres
humanos e camundongos. Os seres humanos, obviamente, não puxam seus
filhos por seus pescoços, porém o fato de que as mesmas respostas
fisiológicas foram observadas em uma criança humana e em um filhote de
rato sugere que os efeitos calmantes do transporte materno são altamente
preservados entre espécies de mamíferos – e oferece ainda mais
evidências de que “clipnosis”, apesar do lamentável nome, é um fenômeno
real.
Fonte:fatosdesconhecidos
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