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27 de novembro de 2013

Um mito sobre os gatos que é realmente verdade

A maioria de nós conhece pelo menos um mito sobre gatos. Talvez tenha a ver com a largura de seus bigodes ou com a lenda de que aqueles que são totalmente pretos dão azar. A maioria destes mitos não passam de conversa para boi dormir, como se diz no interior. Porém, o fenômeno conhecido como “clipnosis” é real.
Para aqueles não familiarizados com o termo, “clipnosis” refere-se ao fenômeno pelo qual um gato se torna de repente imóvel por causa de um aperto suave da pele solta na parte de trás do seu pescoço. É um pouco como aquele gesto de os segurar pela nuca, apenas mais suave – mas nós vamos chegar a isso em um segundo.
É fácil ser cético quando se ouve falar em clipnosis. A própria palavra é uma junção que faz referência direta a hipnose – um termo que não costuma ter a melhor das aceitações – e de clipes – isso mesmo, aqueles usados para segurar grandes maços de papel. A expressão “hipnose animal” às vezes é usada para descrever uma variedade de comportamentos de imobilidade desencadeados por uma série de estímulos. Apesar disso, o uso da frase é problemático por ser comprovadamente impossível hipnotizar, de fato, animais, que entrariam apenas em um estado catatônico.
Mesmo assim, uma pesquisa procurou explorar o fenômeno da clipnosis empiricamente. Liderado por Tony Buffington, professor de Ciências Clínicas Veterinárias da Universidade Estadual de Ohio (EUA), o estudo examinou a eficácia da clipnosis, colocando clipes padrões de encadernação medindo 5 centímetros ao longo da pele do pescoço de 31 gatos. Felizmente, Buffington e seus colegas se referem ao fenômeno não como “clipnosis”, mas como “inibição comportamental induzida por beliscão”, ou “PIBI” (do inglês, “pinch-induced behavioral inhibition”).
“PIBI é apenas uma descrição muito clara de exatamente o que é”, explicou Buffington. Além de descrever o método utilizado e a resposta obtida, o cientista ressalta que essa sigla também evita “o mais antropomórfico termo ‘hipnose’”, ao mesmo tempo que diferencia da ação de segurar os felinos pela nuca. Chamado de “scruffing”, o hábito é mais intenso e, afirma Buffington, controverso de tratar estes animais. “A PIBI é realmente uma forma muito mais suave do scruffing”, conta.
Apenas um dos gatos do estudo de Buffington não mostrou uma resposta positiva aos prendedores de papel. Entendamos uma resposta “positiva” por aquela em que o gato se torna passivo, sua coluna se curva e sua cauda mergulha entre as pernas.
 
Outras observações levaram Buffington e seus colegas a concluir que a PIBI não é nem um medo nem uma resposta à dor. As pupilas dos gatos não dilataram – uma resposta fisiológica vista frequentemente em animais amedrontados -, seus batimentos cardíacos não aumentaram e sua respiração não acelerou. Os gatos também se mantiveram sensíveis, em contraste com o que é chamado de “imobilidade tônica”, em que o animal congela e se torna totalmente indiferente diante de estímulos altamente ameaçadores. No final, Buffington e seus colegas concluíram que a resposta fisiológica vista com a PIBI provavelmente é uma evolução para tornar mais fácil para as gatas mamães transportarem seus gatinhos.
Mas por que isso funciona?
A hipótese do transporte materno sugerida por Buffington e seus colegas reproduz a de outros pesquisadores que estudam a imobilização dos animais. Na verdade, respostas fisiológicas semelhantes à PIBI têm sido observadas em vários animais, incluindo camundongos, ratos, coelhos, cães e porcos-da-índia. Ao fazer uma busca no Google Scholar, que reúne trabalhos acadêmicos, por “imobilidade dorsal” ou “imobilidade no transporte”, podem ser consultados cerca de 200 estudos datando de várias décadas que investigaram este e fenômenos semelhantes em um animal ou outro, muitos dos quais fazem referência direta à hipótese do transporte materno.
Em contraste, pouco tem sido dito sobre o porquê de este método de imobilização ser tão eficaz – fisiologicamente, no caso. “Uma das razões pelas quais decidimos chamar a resposta de ‘inibição comportamental induzida por beliscão’, é que [esta descrição] não assume um mecanismo”, esclarece Buffington. Em outras palavras, a “PIBI” não pretende oferecer uma explicação sobre a razão do beliscão induzir a inibição comportamental, só afirma que ele o faz.
No início deste ano, no entanto, houve um grande avanço. Em um artigo publicado na edição de maio da “Current Biology”, os pesquisadores liderados pelo neurocientista japonês e pesquisador do Instituto do Cérebro Riken, Kumi Kuroda, realizaram um estudo que comparou uma ampla gama de respostas fisiológicas ao transporte materno em filhotes não apenas de camundongos, mas também humanos. Surpreendentemente, a equipe de Kuroda constatou que, em ambas as espécies, o ato de uma mãe carregar sua cria leva quase que imediatamente a três respostas muito semelhantes na criança: a cessação do choro, a passividade e uma diminuição na frequência cardíaca.
Essa descoberta inter-espécies foi impressionante por si só, contudo o estudo também forneceu alguns insights sobre os mecanismos neurais de efeitos calmantes do transporte materno. Com ratos, a equipe foi capaz de investigar os mecanismos subjacentes em experiências que não poderiam ser feitas com os bebês humanos. Eles aplicaram uma anestesia local no pescoços dos filhotes e bloquearam quimicamente sinais neurais produzidos por movimento. Privar os filhotes desses insumos sensoriais inibiu o efeito calmante de ser transportado. A remoção cirúrgica de partes do cérebro e testes de ratos com anomalias neurais permitiu à equipe acompanhar a adoção de uma postura compacta para o córtex cerebelar, que, não surpreendentemente, acredita-se que esteja envolvido no controle da postura e do equilíbrio. E eles descobriram que levou mais tempo para as mães ratas resgatarem os filhotes que haviam sido anestesiados, de modo que eles não poderiam se enroscar, ou drogados, de modo que não se tornaram passivos. Um recém-nascido passivo, quieto e compacto seria mais fácil para uma mãe levar para longe do perigo.
Além do mais, visando quimicamente os sistemas nervoso simpático e parassimpático dos filhotes de rato, os pesquisadores foram capazes de mostrar que interromper o último inibiu a diminuição da frequência cardíaca induzida pelo transporte observada em filhotes normais, permitindo que eles sejam imobilizados.
O resultado? A resposta calmante provocada por beliscar a nuca de um rato é possível graças à regulação coordenada de vários sistemas fisiológicos, incluindo a sensação tátil, propriocepção e múltiplos caminhos do sistema nervoso central.
Mas talvez a descoberta mais importante, no contexto da discussão sobre a PIBI, tem a ver com as semelhanças entre o transporte de bebês de seres humanos e camundongos. Os seres humanos, obviamente, não puxam seus filhos por seus pescoços, porém o fato de que as mesmas respostas fisiológicas foram observadas em uma criança humana e em um filhote de rato sugere que os efeitos calmantes do transporte materno são altamente preservados entre espécies de mamíferos – e oferece ainda mais evidências de que “clipnosis”, apesar do lamentável nome, é um fenômeno real.
Fonte:fatosdesconhecidos

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