Páginas

10 de dezembro de 2013

Crítica: Azul é a Cor Mais Quente

Divulgação
Uma das melhores histórias de amor de 2013.
É difícil falar de “Azul é a Cor Mais Quente” (“La Vie d’Adèle – Chapitres 1 & 2”, “Blue Is the Warmest Colour”), em especial porque, à primeira vista, ele parece muito mais simples do que é. Não só isso, é infelizmente o tipo de produção que é vista por muitos com maus olhos, por tratar principalmente do relacionamento romântico entre duas mulheres, com direito a cenas de sexo sem os pudores tradicionais de Hollywood.
O que temos aqui é uma história de descobrimento de sexualidade, de amadurecimento e, principalmente, de amor. O conto tem uma profundidade incomum e temas e sentimentos que todos nós conseguimos nos relacionar. Seja qual for o gênero ou orientação sexual, há algo para todos.
Este drama romântico tem direção de Abdellatif Kechiche e é baseado na graphic novel de Julie Maroh de mesmo nome (edição nacional pela Ed. Martins Fontes).
Aqui, acompanhamos a jovem Adèle (Adèle Exarchopoulos) no fim de sua adolescência e início da vida adulta. Frustrada e confusa, a garota descobre que tem atração por mulheres ao conhecer Emma (Léa Seydoux), uma estudante de Belas Artes que chama atenção pelos seus cabelos curtos, coloridos de azul. Iniciando um relacionamento com Emma, Adèle passa a conhecer mais sobre si mesma e amadurecer, mas seja pela aceitação de sua homossexualidade ou pelos diversos conflitos que encontra no relacionamento, ela tem muito a aprender.
Preciso deixar uma coisa clara: “Azul é a Cor Mais Quente” não é um filme sobre ativismo LGBT, não é um filme sobre sexo e não é apenas outra história de amor dentre tantas. A produção tem um cuidado imenso em se mostrar algo real, honesto e envolvente, apostando em grandes atuações e um acabamento meticuloso, sem artifícios baratos. Foi esse cuidado, em diversos aspectos, que já garantiu a “Azul” a Palma de Ouro em Cannes.
Divulgação
O ritmo é lento, tanto em evolução de história quanto em montagem de cenas. Temos tomadas cheias de detalhes, com progressões previsíveis, e mesmo que isso talvez canse parte do público (afinal, o longa tem aproximadamente três horas!), é um dos principais aspectos que permite sua profundidade e realismo. O tempo que nós passamos com o casal – mas principalmente Adèle – nos permite conhecê-las muito bem. Não necessariamente nos afeiçoamos, porque esse não é o ponto da obra. O ponto é que esse tempo permite que elas pareçam mais com pessoas que conheceríamos na vida real.
Parte da razão para as três horas de filme é o fato que a história se estende por alguns anos. Como o ponto é trabalhar amadurecimento e aprendizado, começamos aos dezessete anos de Adèle e quando tudo termina, ela está dentro de seus vinte e poucos anos. Juntamente do amadurecimento dos personagens, aqui se destaca também um bom trabalho de maquiagem e guarda-roupas, envelhecendo e mudando sutilmente o elenco.
Adèle funciona muito bem como uma protagonista. Por diversas sequências acompanhamos sua vida quase em uma base de dia-a-dia, permitindo que notemos pequenos hábitos e manias que ainda que não sejam referenciados, estão lá. Como o filme tem uma predileção por closes, esses detalhes ficam facilmente em evidência. Apesar da personagem ser consideravelmente blasé (ou “misteriosa”, nas palavras de uma secundária do longa), mesmo esses momentos com pouca emoção tem um cuidado de atuação claro por Exarchopoulos, que também sabe mostrar dramatismo quando necessário. Emma não fica para trás, de modo que a produção constrói o interesse de Adèle aliado ao interesse do público. Sua personalidade forte é convincente e a atriz tem maestria em conduzir cenas inteiras.
Divulgação
Voltando à trama, fica claro durante todo o tempo que o objetivo do diretor não foi necessariamente o ativismo, ou ao menos não no sentido tradicional. Em certos pontos da história, existem, sim, alguns dramas que o público LGBT irá se identificar, como a homofobia dos colegas de escola de Adèle, ou a resistência que tem em “sair do armário” para seus pais, e algumas cenas deixam claro que o casal se engaja em passeatas e eventos a favor de direitos LGBT. Mas o principal da produção é realmente colocar o relacionamento como qualquer outro: exatamente por evitar focar demais nesses problemas, temos mais espaço para explorar a relação das duas. Tudo aqui tenta – e consegue – nos mostrar que não há tabu no amor de Adèle e Emma.
Um dos temas recorrentes aqui é o sexo – o que era de se esperar, de um filme que foca no realismo de um relacionamento -, com a censura 18 anos plenamente justificável por cenas de nudez completa. A duração das cenas de sexo podem desagradar alguns (as próprias atrizes opinaram que as sequências teriam ficado longas demais), mas são sem dúvida excelentes em sua execução e intensidade física e, principalmente, emocional.
Outro aspecto claro e extremamente maduro do filme é trabalhar bem cada “mundo” individual das garotas. A vida de cada uma tem outras pessoas, amigos e família e esses mundos não giram ao redor delas. Adèle, em todo o crescimento que faz durante o filme, muitas vezes se depara com novas pessoas e situações, mas há um cuidado em criar uma continuidade independente para elas. As coisas não acontecem em função das protagonistas, elas apenas acontecem.
Divulgação
A história do relacionamento, no fim das contas, fala de diferenças pessoais às vezes irreconciliáveis. São as diferenças de temperamento, personalidade, gostos e maneiras de ver a vida entre as duas que ditam os principais conflitos da segunda metade do filme. Como muitas vezes acontece na vida real, as divergências acontecem tanto em um nível prático como emocional, e nem tudo precisa ser dito claramente para sabermos que está lá.
O Azul do título é quase um personagem, onipresente em cena, tanto de modo discreto ou descarado. É claro, o tom é uma referência ao sentimento de Adèle por Emma, que tem cabelos coloridos, mas logo notamos que Adèle é cercada pelo Azul de Emma onde quer que esteja – seja mesmo nos cabelos da moça na primeira metade do filme ou nos cenários, roupas e objetos.
Preste atenção – praticamente não existem cenas sem ao menos um detalhe em azul. Há um nível de detalhamento e cuidado que garante que por vezes o Azul converse com as cenas e o público, mas que na maior parte das vezes ele surja de modo tão orgânico que não o notamos a não ser que estejamos procurando.
Um exemplo interessante fica em uma das primeiras cenas de Adèle e Emma (de cabelos azuis) em um bar: quando seus olhares se cruzam, como uma resposta quase inconsciente Adèle tira nervosamente a jaqueta que usava até então, revelando por baixo uma camisa de um azul vivo, marcante. É um dos primeiros momentos que vemos o Azul lentamente representando algo mais que apenas uma cor.
Divulgação
O enredo em si diverge da história da obra original, alterando o nome da protagonista e optando por não explorar temáticas mais trágicas, de certo modo ganhando chances de explorar ainda mais realismo que marca os relacionamentos mostrados em cena. Na França, a produção tem o subtítulo “Capítulo 1 & 2”, mas durante a história não vemos nenhuma marcação que indique quando começa um ou outro capítulo. Ainda assim, os temas que são explorados conforme a história avança os deixam implícitos.
Se estiver se perguntando se haverão outros capítulos, tenha em mente que o final busca fechar alguns pontos do enredo, mas deixa portas abertas. Em termos de história e dos diversos subtemas iniciados, há muito que poderia ser explorado, mas depois de diversas notícias de brigas entre as atrizes e o diretor, incluindo afirmações de que nunca voltariam a trabalhar com ele, soa improvável, no momento, que tenhamos alguma continuação.
Fonte:POP

Nenhum comentário:

Postar um comentário