“Nós aceitamos o amor que achamos que merecemos”
Existem belos filmes e belos livros. Às vezes, uma boa obra literária pode se tornar um bom filme, mas nem sempre a visão do autor é respeitada, o que pode trazer alguns resultados infelizes e fãs ainda mais infelizes. “As Vantagens de Ser Invisível” (“The Perks of Being a Wallflower”) é um caso à parte, uma vez que não havia como a visão do autor ser desrespeitada. Por que? Porque o escritor Stephen Chbosky também é o roteirista e diretor desta versão cinematográfica.
Charlie (Logan Lerman) é um garoto que acaba de entrar para o colegial. Depois de uma temporada afastado por problemas psicológicos, ele se encontra em um ambiente hostil, sem ter amigos e sem a mínima idéia de como conhecer pessoas, sendo isolado voluntaria e involuntariamente. Quando todas tentativas de voltar ao “mundo real” parecem falhar, Charlie conhece os irmãos Patrick (Ezra Miller) e Sam (Emma Watson) e sua trupe de amigos incomuns. Essa amizade inicia Charlie em um processo de auto-descobrimento, onde passa a aprender como conviver com as pessoas, com seus próprios traumas e sofrimentos, consigo mesmo e com a paixão que desenvolve por Sam, apesar de todas as adversidades.
Assim como no livro (mesmo título, edição brasileira pela Editora Rocco), acompanhamos a história de Charlie a partir de suas cartas. Nós somos, individualmente, os destinatários de uma série de mensagens que o garoto envia como parte de seu tratamento. Somos a pessoa confiável que vai ouvir todos seus pensamentos, transformados em narração enquanto acompanhamos os acontecimentos em “tempo real”. Só que mais do que apenas “conhecermos” esse relato, a narração e a construção nos colocam “vivendo” as mesmas descobertas que Charlie. Não é difícil deixarmos de ser quem acompanha para nos vermos no lugar do protagonista.

Nem todos temos problemas psicológicos, ou ao menos não tão graves quanto os de Charlie. Mas todos nós já passamos por algum tipo de sofrimento, e talvez por isso é fácil se identificar com os dilemas do garoto. A experiência de ser o “excluído” é narrada e demonstrada de maneira que poucos conseguiram fazer. Vale destacar, o “Invisível” do título em português é uma adaptação do termo em inglês “Wallflower”, sem tradução equivalente. O mais perto que há disso é a definição perfeita de Charlie: uma pessoa que, seja por exclusão social ou timidez, fica de fora de festas, bailes e outras ocasiões, apenas observando.
Do mesmo modo, o termo “Vantagens” não é exatamente certo – “Perks” funciona melhor como “benefícios”, e também explica muito bem a visão de mundo de Charlie, que mostra uma clareza sobre os outros a seu redor e uma sede de conhecimento e entendimento que poucos parecem ter, ainda que seu conhecimento e segurança em si mesmo sejam quase nulos.
De outro lado temos Patrick e Sam, mostrando uma visão de mundo diferenciada da condição de exclusão – os irmãos percebem que são diferentes da média e se aproveitam da vantagem (sim, aqui o termo faz mais sentido), sendo ótimos amigos e mentores para Charlie, ao mesmo tempo que passam a ser ajudados pelo garoto. O trio, assim como boa parte dos personagens, se destaca por uma profundidade única, seja em seus gostos, roupas, hobbies e motivações. O filme é sobre Charlie, mas ao mesmo tempo é sobre todos que vemos ali e algo muito maior do que eles.
Além de amizade, amor e sofrimento, “Vantagens” fala sobre momentos únicos da vida, as pequenas e grandes iluminações e experiências que nunca se repetem e são para sempre memoráveis. Sequências fantásticas, geralmente acompanhadas com a excelente narração de Charlie, falam de sentimentos e fatos difíceis de colocar em palavras. Por diversas vezes no filme, nos vemos arrepiados ou com lágrimas nos olhos com momentos emocionantes que, nas palavras de Charlie, nos fazem sentir “infinitos”.
O tratamento de dramas também é especialmente cuidadoso e profundo. O histórico psicológico conturbado de Charlie é demonstrado em montagens por vezes perturbadoras, por vezes tristes, mas sempre mostrando mais do que dizem. Todas relações de personagens e romances tem muita dinamicidade, não perdendo força mesmo com diferentes pontos focais do filme. A temática gay introduzida por Patrick, inclusive, mostra uma boa maturidade, brilhando entre alguns dos desenvolvimentos de personagens mais interessantes.
Logan Lerman não é lembrado tanto por papéis profundos (vale lembrar, o ator foi D’Artagnan em “Os Três Mosqueteiros”, de 2011, e Percy Jackson, em “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”, de 2010), mas vê-lo como Charlie é uma experiência à parte. Seus trejeitos confiantes de outras produções dão lugar a um rapaz que parece realmente se tornar “invisível” em meio às pessoas, medroso e tímido, com mais problemas e dificuldades do que a maioria. Watson e Miller também marcam por atuações únicas, fazendo pessoas que realmente gostaríamos de conhecer. A amizade do trio, regada a confiança, música e passeios de carro, é de fazer inveja, e não é difícil queremos estar ali com eles.
O Rock n’ Roll da vida dos protagonistas povoa toda a trilha sonora, com clássicos dos Smiths, Air Supply, Sonic Youth, Morrissey, entre outros, incluindo a canção tema “Heroes”, de David Bowie, peça-chave no enredo. Entre mixtapes e discos de vinil, o enredo também presta homenagens a “Rocky Horror Picture Show” (1975), assim como suas apresentações e atuações do circuito alternativo, sendo a cereja no topo de uma ótima produção.
É difícil dizer se todos irão se identificar com Charlie, Sam ou Patrick, mas uma coisa é certa: lições, diversão e emoções não faltam em “As Vantagens de Ser Invisível”.
Fonte:Pop